quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A Pedra

Do alto rochedo rola a pedra
Feliz e realizada sente-se liberta
Vem uma onda sem demora
Leva a pedra muito esperta

 Uma menina brinca com ela
Carrega-a no cesto até seu jardim
A pedra receosa, flagela
Naquele abandono assim

 À sua volta bordados de goivos
Suspiram aromas maneiros
Pedem que a leve os corvos
Que a deixem junto a ribeiros

 A pedra no bico voa, rente ao firmamento
É deixada ao abandono em águas cristalinas
Toda molhada não tem pensamento
Delira por chegar até às colinas

 A nascente zangada a pedra rejeita
Um limo brincalhão cobre-a com sua jaqueta
Ela, infeliz, clama o seu rochedo
Passa um homem que a atira sem medo

 Agora o seu pensar é contentamento
Nas margens do ribeiro rebola-se num instante
Nas noites de luar observa encantamento
Fica com saudades do que está distante

 

 Ofélia Cabaço 2013-01-28

 

 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

As Vindimas

As videiras com brincos de bagos
Inebriam com magia sua gente
Donzelas em segredo casam com magos
Mancebos consolados vindimam adiante

 O Sol irradia sua luz doirada
Enternece corações com desejos imensos
Os apaixonados seguem suas peugadas
As videiras avermelhadas cospem insetos

 Chapéus sobre lenços com rosas
Brilham na encosta do Doiro
Moçoilas cantadeiras, entoam poesias
Cestos com uvas, repousam no miradouro.

 A noite embala estórias de amor
Os pássaros cantam sem dor
Raparigas formosas suspiram anseios
Rapazes robustos esbanjam galanteios

 
Ofélia Cabaço 2013-01-28

 

 

 

 

 

 

Na Serra

Rostos agrestes, corações de oiro
Palmilham atalhos, vigiam gado
Perto de Deus agradecem seu tesoiro
Bradam pelo Sol por não ter chegado

 Ovelhas berram nas encostas
Sinos ao longe avisam as Trindades
Molhos de giestas carregam as costas
Da serra à aldeia contam-se novidades

 Morreu a ti Maria, tristes, as nuvens choram
O nevoeiro estende-se como mantilha rota
O silêncio é soberano, as horas param
Cheira a lume e caldo, e ninguém arrota!

 Mulheres usam capucha envolvente
Parecem fantasmas sem boca
Escondem seu rosto sem dente
Rejeitam falatórios de cabeça oca

 Choros e prantos passeiam a noite
Está de partida uma santa mulher
Sua alma voou lá para norte
Os amigos rezam até amanhecer.

 

 
Ofélia Cabaço- 2013-01-28

 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

As Notícias

As manhãs na redação
São de inquieta ambição
Há novidades que tocam corações
Dizem ao mundo cruéis ações

Na primeira página, retrato do ladrão
A seguir um rol de virtudes
E depois, o morgado está em casa
É um sacrilégio, nada esconde na asa

 Mais adiante:
O camponês assaltou o quintal
Da cultura roubou batatas
É um ladrão e tal e tal,
Para a cadeia, vai ele sem mais fitas

Os filhos têm fome, não interessa
O casebre está podre, não importa
Para o intruso não há pressa
Furioso o patrão trancou a porta

O morgado, na sua mansão lê a Bíblia
Matou a cliente, roubou terras
É doutor, assiste à homilia
Sensível, chora lágrimas derradeiras

Tem boas ações,
                        Gosta de criancinhas
Ofereceu um hospital
                      Roubou mil cabecinhas
E, agora, é fenomenal!

 
Na redação tudo é notícia
O importante é vender com malícia
Destacam-se crimes de importantes
Menospreza-se desejos de protestantes

O ladrão de galinhas é coitado
O assassino poderoso tem milhões
Repousa descansado em mil colchões
O pobre desgraçado é chicoteado

Ficamos pasmados a presenciar!
Nós, nada fazemos senão, reclamar
Estão mortos os que sabem conferenciar
Aqueles deram bons exemplos a navegar.

 

Ofélia  Cabaço  -  2013-01-27

 

 

 

 

 

 

 

A Concha

Apertei na minha mão uma concha
Ofereceu-ma o mar, sorridente
Fechei os olhos e viajei numa colcha
Que me levou de repente

 Acordei num jardim do Oriente
Conheci príncipes e morei em palácios
Embriaguei-me de amor ardente
Vesti-me de sedas e falsos laços

 O mar roubou meu sonho
Uma sereia trouxe encantos
Escondi-me num colo docinho
Ouvi poesia e belos cantos!

 

 Ofélia Cabaço 2013-01-27

Fantasias

Perdi-me na confusão da avenida
Parei e chorei
Bati no desejo da ida
Voltei, e, não te encontrei!

 Ontem sabia sonhar
Era uma mulher com ideais
Altiva e com bom ar
Imaginei fantasias demais

 Descobri que não sou ninguém
Talvez vulto de terras de além
Pólen de muitos lírios
Filha legítima de delírios

 
Ofélia Cabaço 2013-01-27

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Casebre

No casebre, o vulto do poeta espera
Junto à vidraça da escondida janelinha
Está um gato atrevido, com olhar de fera,
É Janeiro, está frio e não aparece a gatinha,

A estante velha, descaída e saudosa
Transmite histórias de outros tempos,
O vulto espera pela sombra ditosa
Os livros desvanecidos, sacodem o pó

O silêncio é quebrado com assobios,
É o vento que entra e sai, espalhando cotão
Remexendo num passado sem lábios
Está tudo parado, morreram vidas de então

Um jornal que não tem notícias, esvoaça
De um lado ao outro do velho casebre
Quer muito anunciar novas sem mordaça
Partir mentiras com espadas de cobre

A toalha que veste a mesa, tem buracos
O tinteiro secou, as violetas murcharam
O importante livro escondeu abraços
As palavras traídas, de dor morreram

Um vistoso cachimbo espreita no cesto
Namora todos os dias a caixinha de rapé
Que linda e cheirosa, nasceu dum xisto
E, rejeita o cachimbo por ter um só pé

O vulto do poeta anseia pela Liberdade
Chegará num veleiro com bandeiras brancas
Depois, os gritos da alegria não terão idade
As mulheres soberanas, voltaram a ter ancas.

 Ofélia Cabaço 2013-01-22

A Nora

No meio do verde prado
Vive a enferrujada nora
Foi deixada como um dado
Pelo árabe sem hora

 Faz parte da riqueza do povo
É admirada pelas gentes de além
Paradeiro com ninhos de corvos
Tem sede de água também

 Não é o que devia ser ao nascer
Foi grande para pessoas de bem
Velhinha, está á mercê do parecer
Daqueles que a olham sem desdém

 
Ofélia cabaço 2013-01-22

Os Salgueiros

Nas margens de um calmo rio
Clamam salgueiros vaidosos
Seus galhos estendem-se desejosos
De um amor tecido sem fios

Flores brancas de neves alvas
Espalham-se como hóstias nas águas
A lua ciumenta, denuncia paixões babosas
E lá longe, Deus abençoa almas.

As heras vestem troncos centenários
Com tecidos de crisálidas gélidas
Umas vezes, de verdes  matizados
Outras vezes, brancas como noivas,

Nas manhãs bucólicas surgem as brumas
Num abraço etéreo envolvem os salgueiros
A paisagem cinzenta acalenta choros
Ouvem-se as águas num pranto de traumas.

 Ofélia Cabaço 2013 -01-22

 

 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O Mar


Debrucei-me na varanda do mar
Com as ondas desabafei mágoas
Ouvi segredos de abismar
Conversei e chorei com pessoas

 Do horizonte vieram vozes de esperança
As prateadas nuvens corriam inquietas
Despercebido D. Quixote perseguia o Pança
Dulcineia, assustada mantinha as dietas

 Imaginei viver no mar, numa gruta,
A porta seria de musgo e janela de carmim
Meus vizinhos seriam algas e chaputa
Os peixes haviam de oferecer-me jasmim

 Teria coroa de estrelas colocada por bruxos
Iria poetizar em jardins de buxos
Havia de amar um príncipe encantado
Nas varandas floridas, com desejo acabado.

 

Ofélia Cabaço 2013-01-10

 

 

 

A BONECA


A criança queria uma boneca nova,
Tinha uma de trapos, linda e catita
Vestida com saia rodada de chita,
Simples, sorridente, com ar de boa-nova

 A boneca tinha cabelos loiros de carrapito
Feitos de rafia entrançada aos montões
Os olhos  azuis,  eram dois botões
Meias de renda e sapato apertadito

 Avental bordado com cerejas e joaninhas
Tinha ar de camponesa e duas maminhas
Mas, toda ela era de pano
Não falava, não podia tomar banho,

  A pequenina banheira de zinco
Oferta de aniversário dos primos,
Não podia servir seus préstimos,
Aquela boneca amada, não usava brinco;

 Ela queria uma boneca moderna
Que tivesse vestido de seda verde
Semblante de boneca fraterna
Que falasse sempre verdade,

 O bom mesmo, é que ela andasse,
De mãos dadas, com a menina passeasse,
No caminho para o moinho, do Cervantes
Lá havia papoilas e prados verdejantes,

 À noite a criança olhava o firmamento
Exultante, pedia às brilhantes estrelinhas
Que a ajudassem naquele pensamento
Uma estrelinha sorria entrelinhas

 Piscava cores igual aos pirilampos,
Que aos molhos brincavam na noite
A estrelinha vermelha como sarampo
Saltava, fugindo dum açoite

Aproximava-se o Natal,
A criança só pensava na boneca,
Nada mais era tão especial
Nem sequer a história da caneca

 Que magicamente vivia na floresta,
A criança cismada olhava o pinheiro
Que enfeitado prometia festa
Os pastorinhos observavam o ribeiro

 Colocou a menina os seus sapatinhos
De tão velhinhos, tinham arrepios,
Junto às palhinhas com carinhos
Rezando ao Jesus de todos os presépios

 Pediu para acordar a tempo da consoada
Adormeceu e quando a manhã rompeu,
A boneca chegou, muito consolada
Linda, sofisticada trazia um chapéu

Numa alegria efusiva a menina
Abraçou a sua boneca de louça
Batizou-a com o nome Carmina
De tão contente, parecia louca

 A outra boneca que era amiga
Sentiu-se no canto, abandonada
Estava triste e com dor de barriga
Chorou, ficou com febre e desafortunada

 A menina levou sua boneca moderna
Para a caminha de coberta quentinha
Adormeceu e partiu sua perna
Chorou a menina debaixo da capinha

 Então, lembrou-se da boneca de trapos
Que continuava no canto desgostosa
Correu para ela, eram amigas há tempos
Abraçou-a com força, tornando-a vaidosa

 Ao ouvido, muito baixinho disse-lhe
Que a amava muito,
Que era sua amiga,
Que gostava do seu carrapito,
Que lhe ia oferecer uma figa

 

Ofélia Cabaço 2011 – Maio- 27

 

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Os Incenseiros

Trazidos por navegadores, os incenseiros
Perfumam os jardins de Portugal
Espalham aromas a palácios e pardieiros
Abraçam com vicio o grande portal

 No orvalho choram solidão
Navegaram oceanos em mala de cânfora
De sementes preciosas nasceram com admiração
Foram presentes reais, em terras de fora

 Descontentes foram gigantes delirantes
Tetos de poetas dormentes de amores
Néctar de pensamentos inebriantes
Ramagens nervosas salpicadas por flores

 Em noites de luar intenso
Vivem envolvências sob manto doirado
Vigilantes, as estrelas espreitam com senso
Protestos e sexo de pirilampos desconfiados

 Nos incenseiros as aves constroem ninhos
Neles nascem seus filhotes protegidos da morte
As folhas robustas oferecem orvalho aos passarinhos
Sedentos e indefesos, bebem sem aguaceiro

 Ao incenseiro, clama o loureiro majestoso,
Prepara grinaldas de folhas com intensão
Não há maior glória que um desejo custoso
De homenagear um amigo do coração

 
Ofélia Cabaço 2013-01-09

 

 

 

 

domingo, 6 de janeiro de 2013

Alentejo

As manhãs no Alentejo são timidamente amenas
As tardes exultam cios e afagos de calor
Na obscuridade das noites, gemem as almas suas penas
Nas planícies abrasadoras espreita a seca incolor

As oliveiras escondem suas filhas
Tentando enganar tiranos com  proteção
Rumorejando gritos de longínquas ilhas
Onde um gigante se transforma em papão

 Os barulhos naquelas imensas terras
São vozes sangrentas da humilhação
Ao longe, ouvem-se desabafos e iras
Curvados, os espectros rebuscam condição

 Campos de trigo ondulante, caveiras desatinadas
Corvos grasnando sobre cabeleiras desgrenhadas
Dinossauros que vomitam raiva
Gesticulam agressivos, e calam a Iva

 Renasce a miséria com solares ensombrados
Vigiando palheiros sem guitarras
Azinheiras acenam a longos prados
No escuro da noite cantam as cigarras

 Na quieta melancolia do trabalho,
Interrompe o silêncio, uma voz de chicote
Uma enodoação vocifera sucessivos ralhos
As almas, uma por uma sacham o seu lote

Os sonhos daquela gente eram nevoeiros
Cidades visitadas por fantasmas de oleiros
Barro seco e árido, moldado por carniceiros
Bobos e palácios sem reis

 
Ofélia Cabaço 2013-01-06

 

( todos os poemas e escritos neste blogue são de minha autoria)

 

 

 

sábado, 5 de janeiro de 2013

Um Serão à mesa

Numa noite de inverno chovia copiosamente
O vento assoprava numa fúria constante
Tocou-me no fundo da alma, saudades
Da cidade onde nasci e de um serão importante
Coloquei na mesa toalha rústica com hortenses,
Candeeiro com chaminé, petróleo e torcida acesa
Lá fora, o vento e a chuva afirmavam-se por fases
Destruindo árvores com açoites na natureza
Lembrei Júlio Dinis nos serões da província
Aquilino, de quando os lobos uivam
Desejei ter vivido com a luz da candeia
Na cidade as etiquetas e tanto, embaraçam
Cozinhei pescada, grelos e batatas
Apaguei as lâmpadas de Edison
Coloquei guardanapos entrançados com fitas
Cá dentro silêncio, lá fora um turbulento som
Bate José à porta e chama por mim
Cansado com sacola ao ombro fica preocupado
Pergunta o porquê de uma escuridão assim
Digo-lhe que vamos viver um serão do passado
Pescada com grelos são delícia para José
A luz fraca do candeeiro e o escuro assim não é
Acha que eu tenho cada ideia………..
Pede para Deus lhe dar paciência;
Desconfortável senta-se à mesa
Paulatinamente recompõe-se, elogia o cardápio
Sorridente por fim, chama-me camponesa
Conto estórias da minha infância sem pio
José relembra a sua aldeia, serões à lareira
Seu pai contando estórias, sua mãe faladeira
A sua escola primária à beira do caminho
A neve linda e fria que cobria seu pezinho
Contei sustos e sismos, numa abafada noite
O mar enfurecido, galgara o cais até ao farol
Juntaram-se grupos na rua, com receios do açoite
Ecos de pedidos e rezas, fé e cântico do rouxinol
Naquele tempo eu lia para minha avó
José procurava ninhos na serra, colhia cerejas
Eu, passava horas a fio, imaginando mágicos
Ele estudava a lição e pensava bem hajas
Eu, sonhava que um dia, as rosas não teriam picos!

 
Ofélia Cabaço 2013-01.04

 

 

 

 

 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O trevo


O trevo da sorte tem quatro folhas,
Especial, esconde-se entre os demais
À sombra de uma parra velha
Não se deixa comer pelos animais;
Passeiam flores campestres no terreno,
Os trevos dançam e riem, mas aquele não!
Receoso, o trevo mantém-se alerta e sereno
A mosca varejeira, enjoada enxota o cão;
Gafanhotos, com desejos por vegetais,
Desenham círculos à volta do trevo
As borboletas redopiam brilhantes como metais,
Lá no esconderijo, uma galinha põe seu ovo;
As flores silvestres fazem uma alegre algazarra
O sol brincalhão esconde-se na copa da árvore,
O trevo de quatro folhas, finge ser uma guitarra
Todos os trevos cantam para que o amigo não chore;
As margaridas e as papoilas, unem-se numa grinalda
Coroam a cabeça loira de um espantalho,
O caçador apanha uma lebre sem espingarda
Coloca-a no ombro e segue pelo atalho;
À noitinha, quando se estende o luar,
Os monges desfolham marcelas,
Brincam felizes, com pernas para o ar
Colhem trevos, para embelezar celas;
Os trevos de quatro folhas são uma mascote,
São procurados ferverosamente para coleção
Tal como os outros trevos, aceitam a morte
Em uníssono, na pradaria, escrevem uma canção
Nas páginas dos livros preferidos
Jazem trevos de quatro folhas, amarelecidos!
À sua cor natural, impõem-se matizes contidos
São viajantes nos caminhos esquecidos;
Todos devem ter, de quatro folhas um trevo,
Guardá-lo num cantinho dum lugar inesquecível
Com ele imaginar  sem qualquer estorvo,
Mundos com sabores de um sonho aprazível!

Ofélia Cabaço  2013-01-03