quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Sinto na Angústia o Quem me Lembrasse

Sinto na angústia o quem me lembrasse 

e do lembrar a mim como uma ponte 
onde de noite já ninguém passasse 
viesse a notícia desse outro horizonte 

em que o meu grito preso na garganta 
dissesse à voz que não ouvi e veio 
quanto vansaço inverosímil, quanta 
fadiga me enternece como um seio. 

Vibrátil voga vaga pela tarde 
que em cigarros distrai o eu estar só 
a chama obscura que visível arde 
quando arde ao sol o pó. 

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 


sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Abraço Matinal

Um bom dia, entre sorrisos, um sorriso
ante um rosto magro, sofredor
um abraço envolto de ternura e dor
silêncio, falar não é preciso...
Segue-se um pequeno almoço
algumas lembranças de quando era moço,

...correr alegremente pela serra
assobiar às ovelhas nas encostas,
em Maio coroa com flores de giestas
fui pastor, rei, menino e homem;
Das nascentes, serpentear longos regos para a terra
espreitar ninhos, sentir amor e o rumorejar das folhas;
Estender-se sobre ramagens de heras e fetos
naquele inabitável silêncio...
olhar as nuvens e inventar heróicos feitos
cavalos numa corrida estranha, suas crinas ao vento
raparigas no lá do lado da serra, suas melosas cantigas
desejos, pró-criação, puberdade de lá e do aquém...
E o Sol doirando a terra, enquanto
os dias passavam entre duas metades de limão
ora melancolicamente, ora alegremente, urtigas
e açafrão compondo retalhos da vida e o coração...

Comovida oiço, e com voz trémula pergunto:
Foste feliz? Como se a lágrima no seu rosto bastasse
a resposta, replico: tinhas os teus pais (…),
eu tive quase tudo e não tive pais!
Encosto minha cabeça ao seu ombro e cicio:
Foste a minha água, és a minha giesta em flor!
E o abraço continuou sob a ténue claridade
deste dia chuvoso e frio entre cumplicidade e dor...

Ofélia Cabaço

2016-01-22






segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Emoções,

Um fusco fusco de sol, poetizava a mesa da sala
Caía uma alegre e mansa chuva, o dia molhado e claro,
andorinhas saltitavam de flor em flor no limoeiro, em ala,
voavam batendo as asas freneticamente...
Natureza estendeu mesa e preparo
Bebia o meu quente e saboroso café
Estava frio e eu vibrava realidade, serena,
minha´alma rejubilava com fé,

Relia Goethe, será que Fausto amou Margarida?
É possível amar-se uma simples rapariga?
As minhas interrogações...

Amo a simplicidade e beleza naturais,
os campos revestidos de margaridas, como tais,
Regeneram e purificam as almas...
Fausto desgraçou Margarida, dorida,
sofreu o que Fausto ultrapassar não conseguiu,
Barreiras e apostas malévolas,vividas
numa paixão sexual,
na busca do real conhecimento da vida;

A sua dor Margarida cantou, textual;
1) foi-se a minha paz
sofre meu coração,
jamais a encontrarei,
nunca mais, não...

No encantador cenário duma nobre natureza
que me assaltou pela manhã morna,
contemplei Criação,Dom e Beleza...

Fausto ama o espírito criador do Universo
Tem fé nas emoções humanas e na Natureza, e,
Diz:
2) chama-lhe o que quiseres:
Felicidade,Coração! Amor! Deus!
Eu não tenho nome para tal!
É tudo sentimento;
o nome é um mero som e fumo
que turba a luz celestial.

Continuo a minha leitura apreensível, a orquestra
lá fora serenou e o sol não se mostra...

Ofélia Cabaço
2016-01-17

1 e 2) – Goethe, in Fausto, p. 38








domingo, 17 de janeiro de 2016

Saudade

Teci, sob um Sol alto e radioso,
num silêncio perturbado com bater de asas,
um entre e sai dos gafanhotos e suas casas...
flores d´ouro na saudade de ti, majestoso
alpendre de miosótis onde adormeci,
Acordei numa manhã à beira d´água
como tu, me deixaram as flores!
colhi frutos no encantado sonho, amores
ai quem me dera, inexistentes na vida anã,
andorinhas voavam em torno de mim
e nas minhas mãos uma rosácea romã...
de ti apenas sombra, saudade e esplendores (...)
A tristeza invadiu minh´alma,
uma inefável beleza natural me consolou
quisera ser melusina em águas calmas
balbuciar aos deuses teu nome, choro
por ti, a saudade imensa me diz que te adoro
Aí, onde estás, por mim olhas, aqui, por ti oro.
Flores d ´ouro na saudade de ti, teci...


Ofélia Cabaço

2016-01-17


sábado, 16 de janeiro de 2016

A Minha Caixa de Madeira

Era uma caixa muito frágil e graciosa
na tampa, desenhada uma flor de amendoeira,
assim era a minha caixa de madeira...
cofre dos muitos beijos que inventei,
No ar, a dançarem, mil bolas cor de rosa
luz ténue no candeeiro, sapatos a estrear
inocente romance a decorrer sem nada ocorrer
olhos fechados, um sorriso e leve brisa
sobre mim alva e sábia nuvem poisa,
a magia da caixinha, mãos frias e lábios trémulos,
dos meus segredos, dores e amores, foi túmulo
minhas ilusões e puberdade nela pus
preguei meus sonhos em fingida cruz
naquela que era o convento da minha juventude,
na solidão dos dias, vivi e amei em plenitude,
Era uma caixa muito frágil e graciosa...

Ofélia Cabaço
2016-01-16





terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Rouxinol

Amo-te rouxinol e o teu cantar
oiço deliciada e das mágoas me alivia
se temo a noite por ti espero...
O teu pipilar de encantar,
amiúde e suave atenua desespero;

Amo-te naquelas horas e aos céus agradeço
porque de dor e amores padeço,

Todas as noites o teu lugar sobre a videira
enquanto os rios correm suas águas para o mar
sob olhar cósmico d´um firmamento cristalino
escuto um cantar harmonioso, verdadeiro,
na calada da noite me desperta arguto e fino...

Amo-te rouxinol, melodia da minh´alma
Se me deixares a videira entristece
morrem as uvas e seu Pintor não merece
O meu alpendre esquecido e eu perdida
sem penhor e amor no fado da vida

Amo-te Rouxinol melodia da minh´alma...


Ofélia Cabaço
2016-01-13




Sintra Sonhadora

A imensa serra contemplo
ancas de arborização intensa,
neblinas e nuvens densas
vestida de névoa violácea
mística, inspiração e templo
altar dum passado áureo;

Sintra e os seus amantes
d´oiro foram suas mentes
quantas estórias da História,
emerge do fantástico, aporia...
Sonhos desfeitos, ninhos feitos
amores perfeitos para os de peito...

Contudo a meus pés há um vaso,
é de barro a sua forma por acaso
criou a terra nele contida, uma só orquídea,
enlaçada por frágeis violetas,
animação minha e das borboletas
tão belas são para os poetas;

Sintra e seus amantes
vestida de névoa violácea
arco íris, amores e ilusões
poesia em cada canto, quimeras,
famosas e ardentes primaveras
onde o amor se insinua em nossos corações;


Ofélia Cabaço
2016-01-05



segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Manuel Laranjinha, in carta a Teixeira de Pascoais


Atualissimo, este pensamento de Manuel Laranjeira. 
Concordo com: " o que ainda consola é que nem tudo é miséria"



...no Universo não há Perfeição nem Imperfeição; Harmonia nem Desarmonia: há Movimento da Matéria. Eu não digo nem com os pessimistas nem com os optimistas; que este mundo é o pior ou o melhor dos mundos possíveis. Este mundo é este mundo - e temos de o aceitar tal qual está. Note-se: isto não é negar a perfectibilidade humana. Mas a Perfeição do Homem, sob o ponto de vista cósmico, não é perfeita nem imperfeita.
E o meu pessimismo vem do que eu chamarei a fatalidade orgânica. O homem, meu amigo, ainda é um ser em conflito consigo mesmo: ainda é um agregado de vísceras que lutam por devorar-se -  até ao dia da solidariedade, da harmonia final. A natureza humana, em si, ainda é uma coisa tão desarmónica que está dando razão a Voltaire quando dizia: " notre pauvre âme imortelle a besoin d´aller à la garbe-robe pour penser bien". Sob este ponto de vista, Schopenauer e o "Cisne negro de Recanati", esse doentio Leopardi de quem me fala - tinham plena razão. Basta abrir os olhos para as misérias da vida, meu amigo. O que ainda consola é que nem tudo é miséria...

Laranjeira, Manuel, in Cartas, - a Teixeira de Pascoais, 1904, p.48.

Se a Luz Tivesse Beiço

Se a luz tivesse beiços rir-se-ia 

de quem fecha os olhos para ver 
do claro dia apenas sombra e esquivando o perigo 
de uma relação íntima com a dúvida 

não ousou nunca 
dar-lhe o braço, para não sentir 
o corpo dela a enlaçar o seu, e provar-lhe 
da carne o inesperado gosto. 

Júlio Pomar, in "TRATAdoDITOeFEITO"

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Cinzentos são os dias

Dia frio e cinzento, hoje como dantes,
as árvores escorrem lágrimas baças
dançam e choram, é como ser e não ser,
olho, penso..., torturam-me lembranças
o rumo que tomou minha vida,
por mim, ansiosa, descoroada de esperanças;

Então, conversava comigo, comovida
receava enlouquecer e de mim esquecer,
Era um deserto à minha volta e na volta, sombras,
mais de toda a gente, dançavam nos meus ombros...
no meu colo, uma doce velhinha soltava tristes baladas,
O meu invulgar desejo a enriquecer...

Junto à janela uma cameleira com brancas flores, sem aves,
sacudia gotas de chuva leves e breves,
no meu peito uma ânsia rebelava uma profunda tristeza
memórias de constantes incertezas...
O firmamento cinzento, a cada hora mais carregado,
como hoje, desejei um alado...
fugir para onde não sei, desejei,
Sentar-me à beira da mágoa e dar a minha mão
a quem não sei...
Dizem que os poetas fingem suas dores,
então, sou poeta fingido e sofro horrores...

Ofélia Cabaço
2016-01-05