quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Alberto Camus

....sobretudo, não acredite nos seus amigos, quando lhe pedirem que seja sincero para com eles. Esperam somente que os mantenha no boa ideia que fazem de si próprios, fornecendo-lhes uma certeza suplementar que extrairão da sua promessa de sinceridade. Como é que a sinceridade poderá ser uma condição da amizade? O gosto da verdade a todo o custo é uma paixão que nada poupa e a que nada resiste. É um vício, por vezes um conforto, ou um egoísmo. Se, pois, se encontra neste caso, não hesite: prometa ser verdadeiro e minta o melhor que puder. Corresponderá ao profundo desejo deles e provar-lhes-á duplamente a sua afeição. Tanto isto é verdade que raramente nos abrimos com os que são melhores que nós......


Camus Alberto, in A Queda, p.128

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015



De branca flor desabrocha um limão,
da árvore floresce, metamorfoseando
natureza promissora, Deus e Sua Mão,
criado para amar, o Homem, tomado
de espanto, de fel, de desamor, destronando

pomares, ricos em abundância, culto
da natureza divina, flores na Terra exangue,
crianças choram o que não sabem, indulto
aos que sabem e permanecem quietos (...)
As árvores florescerão na sua vegetação
imunes a combates, à crueldade vívida,
nas montanhas solidão, nas casas aflição,
nas cidades destruição...,
paradoxo da harmonia merecida, 
O homem sofre sob o espectro da violência,
da sua mão a ruína de si e dos outros, impaciência
que devora a paciência, a liberdade, a constância.


A Paz virá como uma saudação litúrgica
evolando alva essência, aquela, que não implica,
forçosamente, choros e inclemência!

Ofélia Cabaço
2022- Abril












sábado, 19 de dezembro de 2015

Observações

Quase todos nós nos irritamos com a intolerância do “outro”.
Na fila de automóveis imensos, enerva-mo-nos com a “esperteza” do ciclista que se coloca mesmo a jeito de não nos deixar passar; os pacientes condutores que nos precedem, apitam desesperadamente porque demoramos o prosseguimento do trânsito.
Sabendo, que há algo em nós, que também contesta, argumentamos o conceito “tolerância”, quase sempre apontando o “outro”.
Levamos a vida a fingir que não somos fingidos...
Ajudamos o amigo ou amiga que tem uma dificuldade, justificada, para se movimentar ou
organizar seja o que for, deixamos a nossa casa, os nossos familiares, os nosso prazeres e com um Prazer mais alto, vamos contribuir para o conforto dos ditos, que é como dizer e afirmar, substituí-los nas ações do quotidiano; fazemos das coisas mais impensáveis para muitos escorreitos e personalizados , como varrer o chão, despejar lixos, mudar camas, fazer comidas e tudo o que está por fazer e deve ser feito; de quando em vez ouve-se a algo que nos apraz e nos motiva a sermos boas pessoas... (... és única, és a amiga que todos deviam ter...), e assim por diante, sibilando algumas vezes e timidamente... “um dia que precises farei o mesmo por ti”...; e sabendo nós, algumas vezes que a analogia não se identifica em nada com o seu interlocutor, não obstante, sentimo-nos lisonjeados e a nossa fé na amizade sobe, senão um, vários degraus.
Insistimos na ingenuidade!
Não poucas vezes, pensamos que a ingratidão predomina a atualidade, e, esquece-mo-nos não menos vezes, que há gente que não percebe o que isso é “ ah não é por mal”...;
Conforta-mo-nos, concluindo, que a ingratidão é uma forma que os “fracos” perfilham porque apenas não são capazes de pensar o versus das questões...
São pensamento que temos, que em termos tolerantes não deviam existir; que em termos de generosidade nem aquele pensamento teria lugar sequer a um princípio.
Fazemos uma análise ao nosso modo de ser e persiste a ideia de que fomos injustiçados. Sabemos que nada podemos reclamar sob pena de à nossa volta proferirem ridiculamente a célebre frase tão consensual em que dá jeito a muita espécie, “ deu, e lava a cara”, ou a grosso modo, “ tem a mania”!. Frases sem o senso que lhe seria devido, e sobretudo sem ser baseado no respeito e na conduta das reais ações...
Será que podemos achar-nos gente com tolerância, generosidade, afetividade e ou justiça? Será que, quem assim pensa é muito pior do que aqueles que sofismam o que não sentem? Devemos subestimar o oportunismo?
Sim, porque se reagirmos na expressão do nosso descontentamento somos apelidados de “moralistas”; será discurso moralista ou o relato de causas reais? - creio que se não argumentarmos e não pensarmos, então porque não vivermos na selva, a saltitar de galho em galho e a sorrir perante uma fenomenal banana?
Somos capazes de ir ao funeral de alguém de quem não gostamos absolutamente?
E comummente anuir que o morto era a melhor pessoa do mundo? Esta é a ética apreciada e elogiada “ e não raro ouvir-se : “é boa pessoa até disse bem do morto”...

Outra das facetas que lastimamos:
Estamos com dores de garganta, é fim de semana e não há nada para atendimento médico, senão as urgências locais; saímos de casa e desloca-mo-nos até lá, estamos um pouco febris e com frio. Tiramos a senha e na triagem dizemos o que verdadeiramente temos: dores de garganta! Levamos com a fita verde e sentados na sala ficamos desde as onze do dia até às cinco da tarde; lemos, dormitamos, bebemos um café e observamos sobretudo a forma como certas pessoas reagem e utilizam a sua “esperteza”; entraram depois de nós, e saíram muitíssimo antes; excetuando os casos verdadeiros que merecem, sem dúvida, pulseira amarela e devem sim, ser atendidos, antes dos casos menos graves.
Como fizeram na triagem? Só temos de fazer um sorriso benevolente e demonstrar uma alegria embrionária. Ah! mas são tão “espertos” , conseguem sobressair perante a razão e todo o resto...
Mais,
Se alguém tiver uma boa presença e algo que a caraterize especialmente em relação às demais pessoas, tais como, haver algo nela que chame a atenção onde quer que esteja, e que se note ainda, uma determinada beleza, devemos por isso, sem mais nem menos, criar a partir daquele instante, um odiozinho de estimação? Porque o fazemos sem tentarmos perceber quem é quem, e qual é que é a finalidade de tal criação aberrante?
Detestamos pessoas com quem nunca falamos; embirramos com o carteiro porque tem os dentes podres; não suportamos a mulher a dias porque conta cem vezes a mesma coisa;
Não podemos com a porteira porque é mexeriqueira e mente; não queremos ouvir o pivô da TV, porque é tendencioso; não perdoamos o patrão porque, sabendo da sua insignificância, tentou humilhar-nos de vários feitios e formas; fingimos não dar importância, à criatividade do “outro”, porque reconhecer certos valores, obriga-nos a ter compromissos e pode oferecer oportunidades, ainda que remotas...

Estamos a viver um século em que a banalização leva-nos a melancólicos abandonos...
Todos somos da mesma matéria, é contentamento geral esta afirmação, mas o jogo tem personagens diferentes: Deus e Dante...



Ofélia Cabaço




quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Chuva e Lágrimas...

Surgiu a noite chorosa
que a madrugada abraçou,
sobre a forma maravilhosa
do Universo...
e o dia molhado alcançou
brumas e cinzentos,
escondendo astros e sóis
e foi marco de encontros melancólicos
no silêncio das florestas,
catedrais, igrejas, altares e girassóis
tão tristes como triste é a prece
que em mim permanece...
É a voz titubeante que escuto
e me ordena o que a razão descontente
não consente,
A noite volta, sossegada,
traçando no ar rios e pontes
e minh´alma balbucia, cansada...
o choro das águas antes de mim!

Ofélia Cabaço
2015-12-16






Do cigarro, uma beata...

Quanto mais almejo a Paz
maior é a angústia que me faz
Justiça e Verdade
indiferentes no coração do “Poder”
...porque é para ele aquilo que não arder,
tal, tal, tal..., orfãos e irmandade,
que lindo é o Natal...,tal, tal, tal...

Fui ouvir o silêncio no parque,
rever uma árvore que me conhece...

Aquele homem com sapatos rotos
trôpego de quase tudo, deambula, receoso
do que não sabe, a par com outros tontos
Tantos...
fisionomia de magreza escanzelada, ocioso
de alcançar o que existe no mundo dos loucos;
Por vezes, olhar perdido, quase de resignação
curvando-se a uma vida cansada...
sua mente com liberdade e tanto, vagueia,
ante o verde gradeamento do portão,

Stop porque é louco...
resta-lhe um esconderijo precioso
levanta a tampa dum sumidouro, ansioso,
e com um sorriso engelhado agarra ouro,
uma beata e eis a felicidade...
Talvez não tenha a quem amar,
e não é amado em todo o mundo,
pensei...
o amor é um sentimento que ao outro damos,
uma beata pode ser amor... é amar assim e poder...

Revi meus príncipes e a minha poesia, encantados,
deambulam em quimeras e sonhos...
a diferença? é a minha imaginação
que produz uma irreversível absorção...
Ambos somos loucos, loucura idealizada
é a minha, que me dá a mão, banalizada
por fora, a loucura tem satus e rigor
por dentro encanto, prazer e amor...

Ofélia Cabaço

2015-12-17



domingo, 13 de dezembro de 2015

Ter Tudo é Não ter Nada...

Ter tudo é não ter nada
é não ter nada e ter tudo

É não saber das árvores
e o seu crescimento ignorar
é não andar de mãos dadas
e não sentir os seres vivos...

Não ver crescer é não ver o principio...
principio da coisa é perscrutar o fim da coisa
Ter de plástico uma árvore
é ter uma árvore de plástico...

Ter tudo é não ter nada
é não ver a terra e suas metamorfoses
e não conhecer o Inverno que a molha
e não beber as águas que por ela correm...
é não contemplar o Outono que a veste de velhas folhas
e o Verão que a adorna de doirados matizes
e não agradecer (…) a Graça que é a Primavera
é morrer sem ter nascido...

Ter tudo é não ter nada
é não ter nada e ter tudo
é como não saber Natureza
e ser fonte que brota aspereza
é dessecar pujança e esmagar bonança...
Ter tudo é não ter nada...



Ofélia Cabaço

2015-12-13



segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A Outra Face da Língua.

Fala monossilabicamente
porque é, e não parece
dispensa os da intelligentsia
aqueles que sofrem de azia
Simplesmente,
recusa condescendências
como o Artista que sente,
em silêncio, fica muitas vezes...
Inteligentemente
não se importa de nunca ser conhecida
incomensurável a sua alma
sobe, e desce, e sobe, e desce
montanhas...
despedaça ravinas, perpassa colinas,
rejeita adulações,
compleição sua... brio e honra!
Finalmente
ela fala com a Natureza
porque é de sua natureza
Deliberadamente
... escreve coisas...
a maldade é atingida, quem diria!
e não são “Merda” acredita!
são consideráveis...
mas, cuidado com coisas de “Merda”
pode subir pódio...
E...
expõe a dor...
vitimiza-se...
esquema dialético improvisado...
que chatice não beber tea!

O que não se sabe:
inesperadamente,
ela é feliz escrevendo...
o que os infelizes com má-língua
estão vendo.

Ofélia Cabaço
2015-12-07




sábado, 5 de dezembro de 2015

O que ainda não é...

Afastar a ideia da morte eu tento
porque ela existe e me quer para si
perscruto um turbilhão de ideias tantas
no encontro da ideia em si...
Sacudo os medos e leve torna o peso
a minha cabeça e o meu pensamento!

Nesta hora a cisma do que ainda não é,
tocar os meus livros...
sentar-me num canto da sala,
a moldura sobre a mesa e o sorriso dela
sentir saudade da saudade que não é
Ainda...
aconchego o velho xaile, o frio que não é
indizível se enubla e me desabriga

O silêncio apenas muda de lugar
é minha companhia e eu amo-o porque é
silêncio e música de oboé...
Penso e não censuro a morte e o mote
é minh´alma morta e eu sei quando
ela me deixou só sonhando...

Então pássaros caídos se alevantam
e cantam para mim um hino à vida
desperto comovida...
e o Sol, mágico, entra pela vidraça
e afugenta de mim a ideia baça...

Ofélia Cabaço
2015-12-05







sábado, 28 de novembro de 2015

Faculdade

Sofregamente comi laranja
nas mãos tenho o odor...
dos olhos caem torrentes águas
no coração saudades tuas
nos ouvidos música funesta

E porque tem momentos doces a dor
as lágrimas são alivio d´alma,
Aconchego dum aconchego inexistente...
Lá, longe, mil laranjais ouvem nossos ais
Contentamento que nos desperta a mente
Despedi-me...
Assim como quem escreve uma estória breve
tão pequenina na extensão
grandiosa na dimensão...

Desci a escadaria e olhei o céu azul
os ventos sopraram um doirado sonho
No ar, evaporara-se um pó precioso
réstia dum desejo despretensioso
frágil tanto, como ovo no ninho...

Respirei profundamente,
sequei as lágrimas profusamente!

A Ilha,
Muito longe, para além do mar

os laranjais deixam cair suas laranjas
uma a uma...
de pé esperam novas primaveras...
e florescem e dão sempre novas laranjas...
O meu contentamento...
Lá, até as ervas me escutam, deveras
me conhecem...
e, estarei de pé, com sorriso teu caminharei...

Ofélia Cabaço
27-11-2015






quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O Caminho

Caminho, caminho e caminho
Como um caderno ao contrário
Aonde escrevo dor, sem qualquer simetria
Caminho apenas procurando O Caminho

Como águas puras dos rios, anseio
Percorrer os vales e chegar ao mar…
Saborear o sal e beber branca espuma
E caminhar no resplandecente azul imenso
Suspensa por fita violácea desde o céu
À Terra…
Como uma doida fugir da bruma…
Adormecer sobre folhagem caída
Enlevada por odores das criptomérias,
Sem qualquer simetria…
Num lugar aonde não há tristezas
E a vida é um cântico…, a vida,
Almejando o caminho da ida,
Sob égide de brisa suave,
Cores e conchas pintadas…

Desejo, sem qualquer simetria…
Esquecer os passos tristes d´outras eras
Despir-me da dor e vestir-me de amor,
Sossegar minh´alma…
Ouvir melodias ao romper do dia
Recolher a saudade de onde eu era
Como um jogo de luz e cor,
Sem qualquer simetria…



Ofélia Cabaço
2015-11-19



terça-feira, 10 de novembro de 2015

Flores Azuis e Brancas

Uma cesta com flores encontrei,
Eram azuis e brancas, traziam versos
Que não rimavam, mudos, vaporosos
Tocaram minh´alma… suspirei!

À beira do caminho os tormentos deixei
Sob um firmamento azuláceo, cristalino,
Jurei amar-te ao desatino…

Pássaros, nenúfares, lagos e rios, oiçam:
Feliz só quero ser…
Colher sorrisos e espalhar amores - perfeitos
Como outrora brilhava o entardecer…

Piso terra árida, no meu coração oásis
Serei morta no mundo sem que me ache?
Abrigada no manto azul de Ísis?
Natureza que adoro e venero…
Pudesse escolher ser profeta, esquecida
De mim e da tristeza…
Ah se pudesse, seria feliz com certeza.

Ofélia Cabaço
2015-10-10

“ sê senhor da tua vontade e escravo da tua consciência”
Pitágoras


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

É o meu sentir

Sentimento gravado em minha consciência
Que a toda a hora me ensina o Caminho
Renegar atalhos e duvidosas sombras,
Alcançar o pão, rejeitar sobras…
É o meu sentir…

Pensar as pessoas perfeitas
É minha natureza, imaginação
Minha que alimenta meu coração
E …tantas vezes me engana…
É o meu sentir…

Sonhar os sonhos que não alcanço,
No caminhar, sementes lanço
Raízes mortas, não quero, antes
Viver o inusitado, beber quimeras
Adormecer em cama de margaridas
Acordar em todas as primaveras
E morrer ao cair das folhas…
É o meu sentir…

Minha tristeza, teimosa, vagueia
Dia e noite por vales e colinas,
Aquieta-se à hora do crepúsculo…
Porque a noite vem e com ela as estrelas,
Brilham, e, malinas…
Impedem a noite de me torturar
É o meu sentir…

Contemplar as flores do meu jardim devo,
Afugentar a bruma baça
Que à minha vida embaraça…
Eu devo…mas não consigo, prossigo…


Ofélia Cabaço
2015-10-09




terça-feira, 27 de outubro de 2015

Conheço O Desconhecido…

 Aquele que me conhece eu amo,
Conheço-O no âmago do Desconhecido
Em cada folha que leva o vento,
Teu olhar padecido…
Tua palavra é fio reluzente entre Árvore e ramo
Deu-me a voz que a mais não invento
Dentro de mim, bálsamo de Ti…

E as folhas caem uma a uma, sem dó
Do desamparo da nudez…
Observo a decadência com olhos trágicos
Amanhã talvez…

E minh´alma ferve comiseração
Ociosa duma trégua à mão do Fado
Impotente … , salve Salomão,

Horas que me não lembro,
O sol dardejava entre ramagens
Alívio meu enfim, alvito…

Sobre planície alagada brilhava candura,
Corriam águas gélidas nos rios,
Açucenas e lírios bocejavam nas margens
E os salgueiros dobravam-se para Ti
Eu sou o choupo que se inclina e perdura

A minh´alma…
No silêncio da Tua palavra pressentida
Vestida de chuva nas colinas…
Contrito, o meu coração para Ti.

Ofélia Cabaço
2015-10-27








segunda-feira, 26 de outubro de 2015

As palavras que escrevo,

Todas as palavras que escrevi
São exaltação, são premissas,
Porque tudo tem conexão na exatidão
Do meu sentir, e de mim são promessas,

Combato a ignorância, filha bastarda do supérfluo
Eu, que sou ignorante, na ignorância dos outros flutuo,
Oiço ao longe, orquestras idem, bis…
Honras ao poder e ao absurdo, teclas partidas
E um piano calado à tona do mar
Som de gaivotas irisadas, azar,
(Dizem os Velhos sempre Novos…)

Gaivotas…
Violam o espaço e o silêncio
Sob um firmamento saudoso de cores
E os poentes, em tons de aguarelas,
Esmaiados de vida e ardores
Prenúncio dum decreto mefistofélico…
Sonhos venturosos, pedaços de mim
Que sobre a nudez dos vales florescem
E morrem e nascem e morrem, instantes…
Quimeras que construí num dia luminoso
Alívio dum peso monstruoso,
Que dilacera minh´alma e me obriga a carregar
O tamanho duma injustiça secular…
Não sei da balança, só sei do meu agir para atingir…

Ah! Se não fosse este devaneio que me dita palavras
Eu não escreveria, morreria antes…


Ofélia Cabaço
2015-10-26









terça-feira, 20 de outubro de 2015

A Tua Mão

Quando dum insano sonho acordei
Já o Sol ia alto…
O silêncio a meu lado exaltava
A voz rouca que dentro de mim persiste
E insiste, demoradamente, desde que existe…

Muito baixinho, como que debaixo dum sereno altar,
Assim, mansamente me dizia:
-Que o amor e a justiça não se abatem
São bravura e piedade e coragem,
Inomináveis…
São verdade e combatem
Os que perturbam o sossego dos pássaros,

Compleição extensiva duma mão imutável,
Arautos do possível na impossibilidade
Daqueles que procuram o extensível
No esquecimento dum canto longínquo…

Disse Hesíodo:
“ O amor é o arquiteto do universo”

Ofélia Cabaço
2015-10-20




sábado, 17 de outubro de 2015

Ventos

No embalo dum abraço impetuoso,
Dançam as árvores e sussurram os bosques
E piam as aves e as folhas caem, chorosas…
E as fontes clamam sob montanhas áridas

O vento…
Gotas de orvalho molham os beirais
As almas ciciam no vazio seus ais…

O vento…

Para lá da serra rugidos e assobios
Sintra… vestida de malva e o véu costumeiro
Esconde o mar imenso…
Saboreio o hálito salgado do mar da minha terra
Reflexos de vida minha e uma lagriminha…

 O vento…

Cansado, o vento, estende-se nos telhados
E agonia vocifera,

O vento…

De repente o repoiso das coisas,
A Natureza e a morte, o devir
Necromancia sobre um tempo que há devir
Porque o tempo que já não é despediu-se de mim
Num intervalo de dó e ré…
Composição incompleta ao som dum débil clarim;

Ofélia Cabaço
2015-10-17


domingo, 13 de setembro de 2015

Desejos

D´oiro são meus desejos
Inquietação de ferro…
Pueril a corda que os amarra
Maldigo o que vejo:

- O mundo a girar e minha garra
Arrastada por correntes duras,
Duras correntes duras palavras…

Às vezes,
Uma estranha Paz me invade
Instantâneo de fugidias sombras
Ledo é o sossego que me amansa
Mavioso som de flautas, o pastor,
É como beijar verdes campos, coisa
Que me contenta e não cansa
A noite clara que me repoisa
Quando a tormenta me solta
E me diz que o Tempo não volta
As sombras, quiçá dos mortos que amei,
E os cheiros constantes…
De flores da magnólia do quintal, antiga,
Que me embalou e sussurrou cantigas
São d´oiro meus desejos…

Ofélia Cabaço

2015-09-13

sábado, 12 de setembro de 2015

Taça

Rutilante num assomo de promessa
É Taça de mil cores, enganadora,
Bolas de água que se esvaem no ar
Encantamento feito de mil efeitos
No caminho, com frémito prazer, devassa
Fingindo ser mais alta é ela geradora
Dos abismos…

Olhos cheios de porosa névoa e o Futuro…
Densas lágrimas, num dia pouco longe,
E todos em procissão espectral, obscuro
Desígnio, face aos presságios dum triste monge,
Em silêncio, aguarda o entreluzir d´aurora
Aurora escondida em altas ramagens…

Cabeleiras farfalhudas sobre ocas cabeças
E a Taça persistente, como quem não mente
Num esperado instante,
Se desfaz em tons de aguarela…

Ofélia Cabaço
2015-09-12


sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O Que Pareço

A generosidade de quem lhe foge
É um véu de monstruosa aparência,
Buscou minha mão e paciência
A ingratidão ontem e hoje…

Será sempre ela mesma
Não há manto que a proteja,
E quem protege… meu manto teceu
Daqui até ao céu,
Minha boca trémula emudeceu
Disfarce díspar de santo da igreja

Uma estrelinha cintilante,
Roxos lírios em minha vida plantou,
No fim de todos os males terá começo
Um jardim e colcha roxa ondulante,

Uma sonhadora tonta pareço,
Cristalizando o tempo amargurado,
Respício e lugares ínvios, silentes
Na escuridão do que foi um condão,

Mas a voz que anda comigo
Insiste naquela dor que me dá desgosto
Oiço-a gemebunda, e não conheço seu rosto,
Caminho outro sigo,
À procura dum fantasma muito antigo
Que renego a toda a hora e não digo

Caminho com meus trajes andrajosos,
Que de mim nada dizem…apenas,
 Abrigam meus sonhos cautelosos
Que se evolem numa fita violeta pelo céu
Do meu contentamento…



Ofélia Cabaço
2015-09-12