Abraço ao mar
As diferenças aquando da minha chegada ao Continente foram inúmeras. Vitorino dizia: “ aonde quer que vá, o açoriano carrega a sua ilha às costas”.
Embora tenha ido viver a 50 kms de Lisboa, numa terra chamada Olelas, perto de Almargem do Bispo, senti diferença em quase tudo o que diz respeito às nossas origens e hábitos. Era uma zona rural, com tudo o que eu via de natural nos desenhos e nas pinturas de então, mais ainda, do que na realidade rural de S. Miguel.
Aquelas pessoas viviam fundamentalmente da agricultura, gente com coração de ouro (todas aquelas que não tinham qualquer vínculo à família de meu marido) foram extraordinariamente gentis comigo. Era um local que não tinha água canalizada nem eletricidade.
Até ali nunca tinha feito nada de especial no que diz respeito à lavagem da roupa e tampouco ao passar a ferro; tinha dezoito anos, estava grávida, vinha duma cidade onde todos nos conhecíamos e não me lembro de ter alguém que não gostasse de mim e me não estimasse. Senti uma saudade que quase me derrubou no ser e forma espiritual. Tínhamos em Ponta Delgada, desde que me lembro existir, água canalizada e eletricidade, apesar de nos anos sessenta a vida ter sido muito difícil, pois tínhamos carências de quase tudo no plano económico e político; as nossas tradições e a afetividade eram sobremaneira cultivadas e sentidas. Sempre soube ser uma menina muito amada pelos meus tios, tias, primos e avó, pois não tinha os meus pais. Foram eles que me criaram, amaram e me deram tudo quanto lhes foi possível numa época tão difícil para se viver.
Por conseguinte, a primeira diferença e a mais penosa, foi a de ter de lavar a roupa num tanque que se situava junto a um poço, e que para isso, tinha de tirar baldes de água para encher o tanque. Depois, para passar a ferro a roupa, tinha de ser com um ferro de carvão; eu desconhecia totalmente como fazê-lo, não fora as pessoas tão gentis e amigas, naturais daquela aldeia, que me ensinaram experientemente como
utilizar um ferro a carvão, seria muito complicado para mim.
Em relação à falta de luz devo dizer que não senti ser assunto tão problemático, quanto a falta de água, na medida em que, deliciava-me jantar com o meu marido e fazer serão à luz do candeeiro. Inspirei-me de tal forma na época, que reli os clássicos, Aquilino, Torga, Camilo, Eça, Júlio Dinis, Garret, Herculano, Antero e outros.
Olelas, era um lugar campesino, com prados atapetados de malmequeres e marcelas, especialmente no tempo primaveril. Havia uma vacaria onde as vacas, nada tinham em comum com as que eu estava habituada a ver nos pastos verdejantes da minha ilha, e os campos com hortas eram imensos. Lembro-me, agora com saudade, que havia um campo de trigo juntinho à minha casa; passei algumas horas a admirar aquela seara doirada, deliciava-me com o cheiro a terra, o deambular das espigas e os cheiros da natureza. Mas, e o mar? -, não via nem ouvia o mar, lembro-me muitas vezes de sonhar que estava no Clube Naval de então, em Ponta Delgada, junto ao paredão da avenida, com os meus amigos “Rebelo” e com o Capitão Bulhão Pato e seus filhos, a ensinar-nos a nadar nas manhãs fresca da cidade, como tinha sido habitual. E o tempo? Aqui um frio indómito, as minhas mãos cheias de frieiras, a chuva intensa e sistemática, a minha angústia, as saudades… foi mesmo muito difícil deixar a minha ilha. Nas tarde mornas de primaveras calorosas, tudo o que me animava, eram longos passeios pelo campo, poetizando numa sucessiva briga com a saudade.
Nos arredores daquele povoado, havia várias fábricas, muito recentes, pois ali a mão-de-obra seria muito mais barata, e para além disso, era conveniente para os administradores edificar novas sedes na periferia de Lisboa. Com esta “moda” reparei que as pessoas que lá trabalhavam, apesar de baixos salários, tinham beneficiado com novos hábitos de sustentabilidade, e assim sendo, as suas vidas melhoraram proficuamente.
Na semana seguinte à da minha chegada, fui inscrever-me numa fábrica; mandaram-me ir trabalhar no dia seguinte. Trabalhei lá durante vinte anos. Comecei pela oficina, uma vez que naquela altura havia só aquela vaga; oito meses mais tarde fui para os serviços administrativos, começando pela secção de Métodos e Tempos; passados uns meses, fui para a contabilidade, onde estive durante nove anos; mais tarde fui convidada a secretariar o Diretor Financeiro, e assim sendo, até à falência da Fábrica aí trabalhei. Foram anos de muita convivência e muita afetividade. Conheci muitas pessoas e tenho um imenso carinho por todos quanto lá trabalharam comigo. Durante este ingresso tirei alguns cursos, muito especialmente na área de Informática, Organização Industrial e Novas Tecnologias. Após a falência da Fábrica em 1988, respondi a um anúncio para secretariar Advogados com escritório em Lisboa; fui chamada e fiz durante uma manhã os respetivos testes para a ingressão no escritório, e, naquela tarde disseram-me para ficar.
Trabalhei até há pouco tempo com advogados; neste momento estou dedicada ao meu curso de Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa e à minha escrita.
À medida que a minha idade avança, cresce o desejo para ir viver numa das ilhas dos Açores. Tenho paixão pela ilha de S. Jorge, não a conheço, mas a minha avó paterna era de lá, e quando li “Mau Tempo no Canal” do nosso Vitorino, acalentei este desejo até hoje. Sei que os tempos estão mudados, mas creio que ali, ainda haverá muito de genuíno.
Um abraço para todos os açorianos, onde quer que estejam, sejam felizes.
Ao mar da minha terra:
Aquela pedra grande
Tão pequena para o mar
Rodeada de conchas e pedraria
Confidente de tormentos e choros
Quieta, esbofeteada pelas ondas
Com muito para contar, segredos!
Sentei-me a seu lado, ouvi!
Uma gaivota a troçar, liberta,
Sobrevoava o imenso azul
A pedra murmurava o abandono
Desejava pertença de um dono
De todos, era ninguém
Disse-lhe não saber a quem pertenço
Esqueci-me de onde vim,
Sei apenas para onde fui,
Longe, longe estou cansada
Não alcancei amor, morri no caminho
Deixei para lá um rio de lágrimas
A sede bebeu-o, morreram os nenúfares!
Ninfas desoladas,
Vou envolver-me numa lágrima, apenas!
Oiço o mar, saboreio o sal da vida,
Deixo-me pentear pelo vento, carícias,
Encho minha alma com som de sereias
A pedra almofada no meu leito, ajeito-me!
Juntas homenageamos a Poesia,
Ao ritmo de baladas sonoras, as ondas
Abafadas sob longo abraço do mar
A pedra e eu, que nada sei de mim!
Embora tenha ido viver a 50 kms de Lisboa, numa terra chamada Olelas, perto de Almargem do Bispo, senti diferença em quase tudo o que diz respeito às nossas origens e hábitos. Era uma zona rural, com tudo o que eu via de natural nos desenhos e nas pinturas de então, mais ainda, do que na realidade rural de S. Miguel.
Aquelas pessoas viviam fundamentalmente da agricultura, gente com coração de ouro (todas aquelas que não tinham qualquer vínculo à família de meu marido) foram extraordinariamente gentis comigo. Era um local que não tinha água canalizada nem eletricidade.
Até ali nunca tinha feito nada de especial no que diz respeito à lavagem da roupa e tampouco ao passar a ferro; tinha dezoito anos, estava grávida, vinha duma cidade onde todos nos conhecíamos e não me lembro de ter alguém que não gostasse de mim e me não estimasse. Senti uma saudade que quase me derrubou no ser e forma espiritual. Tínhamos em Ponta Delgada, desde que me lembro existir, água canalizada e eletricidade, apesar de nos anos sessenta a vida ter sido muito difícil, pois tínhamos carências de quase tudo no plano económico e político; as nossas tradições e a afetividade eram sobremaneira cultivadas e sentidas. Sempre soube ser uma menina muito amada pelos meus tios, tias, primos e avó, pois não tinha os meus pais. Foram eles que me criaram, amaram e me deram tudo quanto lhes foi possível numa época tão difícil para se viver.
Por conseguinte, a primeira diferença e a mais penosa, foi a de ter de lavar a roupa num tanque que se situava junto a um poço, e que para isso, tinha de tirar baldes de água para encher o tanque. Depois, para passar a ferro a roupa, tinha de ser com um ferro de carvão; eu desconhecia totalmente como fazê-lo, não fora as pessoas tão gentis e amigas, naturais daquela aldeia, que me ensinaram experientemente como
utilizar um ferro a carvão, seria muito complicado para mim.
Em relação à falta de luz devo dizer que não senti ser assunto tão problemático, quanto a falta de água, na medida em que, deliciava-me jantar com o meu marido e fazer serão à luz do candeeiro. Inspirei-me de tal forma na época, que reli os clássicos, Aquilino, Torga, Camilo, Eça, Júlio Dinis, Garret, Herculano, Antero e outros.
Olelas, era um lugar campesino, com prados atapetados de malmequeres e marcelas, especialmente no tempo primaveril. Havia uma vacaria onde as vacas, nada tinham em comum com as que eu estava habituada a ver nos pastos verdejantes da minha ilha, e os campos com hortas eram imensos. Lembro-me, agora com saudade, que havia um campo de trigo juntinho à minha casa; passei algumas horas a admirar aquela seara doirada, deliciava-me com o cheiro a terra, o deambular das espigas e os cheiros da natureza. Mas, e o mar? -, não via nem ouvia o mar, lembro-me muitas vezes de sonhar que estava no Clube Naval de então, em Ponta Delgada, junto ao paredão da avenida, com os meus amigos “Rebelo” e com o Capitão Bulhão Pato e seus filhos, a ensinar-nos a nadar nas manhãs fresca da cidade, como tinha sido habitual. E o tempo? Aqui um frio indómito, as minhas mãos cheias de frieiras, a chuva intensa e sistemática, a minha angústia, as saudades… foi mesmo muito difícil deixar a minha ilha. Nas tarde mornas de primaveras calorosas, tudo o que me animava, eram longos passeios pelo campo, poetizando numa sucessiva briga com a saudade.
Nos arredores daquele povoado, havia várias fábricas, muito recentes, pois ali a mão-de-obra seria muito mais barata, e para além disso, era conveniente para os administradores edificar novas sedes na periferia de Lisboa. Com esta “moda” reparei que as pessoas que lá trabalhavam, apesar de baixos salários, tinham beneficiado com novos hábitos de sustentabilidade, e assim sendo, as suas vidas melhoraram proficuamente.
Na semana seguinte à da minha chegada, fui inscrever-me numa fábrica; mandaram-me ir trabalhar no dia seguinte. Trabalhei lá durante vinte anos. Comecei pela oficina, uma vez que naquela altura havia só aquela vaga; oito meses mais tarde fui para os serviços administrativos, começando pela secção de Métodos e Tempos; passados uns meses, fui para a contabilidade, onde estive durante nove anos; mais tarde fui convidada a secretariar o Diretor Financeiro, e assim sendo, até à falência da Fábrica aí trabalhei. Foram anos de muita convivência e muita afetividade. Conheci muitas pessoas e tenho um imenso carinho por todos quanto lá trabalharam comigo. Durante este ingresso tirei alguns cursos, muito especialmente na área de Informática, Organização Industrial e Novas Tecnologias. Após a falência da Fábrica em 1988, respondi a um anúncio para secretariar Advogados com escritório em Lisboa; fui chamada e fiz durante uma manhã os respetivos testes para a ingressão no escritório, e, naquela tarde disseram-me para ficar.
Trabalhei até há pouco tempo com advogados; neste momento estou dedicada ao meu curso de Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa e à minha escrita.
À medida que a minha idade avança, cresce o desejo para ir viver numa das ilhas dos Açores. Tenho paixão pela ilha de S. Jorge, não a conheço, mas a minha avó paterna era de lá, e quando li “Mau Tempo no Canal” do nosso Vitorino, acalentei este desejo até hoje. Sei que os tempos estão mudados, mas creio que ali, ainda haverá muito de genuíno.
Um abraço para todos os açorianos, onde quer que estejam, sejam felizes.
Ao mar da minha terra:
Aquela pedra grande
Tão pequena para o mar
Rodeada de conchas e pedraria
Confidente de tormentos e choros
Quieta, esbofeteada pelas ondas
Com muito para contar, segredos!
Sentei-me a seu lado, ouvi!
Uma gaivota a troçar, liberta,
Sobrevoava o imenso azul
A pedra murmurava o abandono
Desejava pertença de um dono
De todos, era ninguém
Disse-lhe não saber a quem pertenço
Esqueci-me de onde vim,
Sei apenas para onde fui,
Longe, longe estou cansada
Não alcancei amor, morri no caminho
Deixei para lá um rio de lágrimas
A sede bebeu-o, morreram os nenúfares!
Ninfas desoladas,
Vou envolver-me numa lágrima, apenas!
Oiço o mar, saboreio o sal da vida,
Deixo-me pentear pelo vento, carícias,
Encho minha alma com som de sereias
A pedra almofada no meu leito, ajeito-me!
Juntas homenageamos a Poesia,
Ao ritmo de baladas sonoras, as ondas
Abafadas sob longo abraço do mar
A pedra e eu, que nada sei de mim!
OFÉLIA CABAÇO
Aposentada, estudante de Filosofia
Natural de Ponta Delgada, residente em Sintra
26-03-2015
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