quarta-feira, 30 de março de 2016

Imprevistos

Um pomar recebi
Romãs e framboesas
Minha boca beijaram
Quantas proezas!
Deus Meu, alegrias concebi...

Com sabor a limão
me deixaram...
Sem dar por isto
Do pomar restou xisto
E, os sabores? E os aromas?
Só o registo...

Ofélia Cabaço
2016-03-30


Obs.: (Não me enganem com o falso, digam-me sempre a Verdade...)

Os Cisnes Afinal Eram Gansos

Libertei de mim o “eu”
Meu corpo levou-o a passear,
Dispensei tudo o que era meu
bati o portão, e a ilusão
d´um jardim com lagos e cisnes
se apresentou como ânsia de eclosão...

Ninguém escutou o “eu” de mim
Ouvi, serena, o grasnar dos gansos
que afinal não eram cisnes...
e o lago espelhou as vestes das árvores
Um derramar d´agonia...
Nas águas quietas o choro do meu “eu”
e a mudez do meu corpo em sintonia,
Numa breve homenagem à vida
Que me traz assim perdida...
Uma ponte sobre as águas pendida,
E pombas brancas voam em direção ao céu
porque o céu é céu,
E a Felicidade difícil de apanhar, existe
Para além escondida, não nos assiste!

Ofélia Cabaço
2016-03-30




segunda-feira, 21 de março de 2016

Poesia Depois da Chuva

A Maria Guiomar 


Depois da chuva o Sol - a graça. 
Oh! a terra molhada iluminada! 
E os regos de água atravessando a praça 
- luz a fluir, num fluir imperceptível quase. 

Canta, contente, um pássaro qualquer. 
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça. 
O fundo é branco - cal fresquinha no casario da praça. 

Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar. 

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado 
antes do Sol, não duvidava agora.) 
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual 
às manhãs do princípio! 

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro. 
Grácil, tão grácil!... Pura imagem da Tarde... 
Flor levada nas águas, mansamente... 

(Fluía a luz, num fluir imperceptível quase...) 

Sebastião da Gama, in 'Pelo Sonho é que Vamos' 

quinta-feira, 17 de março de 2016

Brisa Morna

Da brisa morna saudade sinto na minha face
Espero a primavera que o Sol desperte
Dos seus raios anseio os dias e as horas
Oiço as aves no silvado em busca d´amoras
Os tons são de brisa fria, me adverte
O coração e o desejo...
Ah! quem me dera os prados do Alentejo
Coroados de camomila e poejos,
Oliveiras e botões em flor à espreita,
Do casario e alvo algodão, medita...
Searas doutros tempos doiradas já não são,
Povoadas são as planícies de silêncio e desilusão;
Alentejo, pomarejo com frutos da minha ilha,
Em ti bebo fulgor e festejo minha centelha
Que há-de o Sol e a morna brisa embalar.

Ofélia Cabaço

2016-03-16


quarta-feira, 16 de março de 2016

Nicolau

É ser ator e abrir janelas lado a lado
É iluminar o alpendre da vida...
Sorrir, amar e ser crente,
É dar e aguardar dignamente
É viajar no Tempo e ser alado

É ser casa, portão e quintal
Ser choupal,
E graça intemporal...

Sentir...e na alma demorar,
É dar as mãos e ser História, aprimorar,
É ser alcofa, rejeitar vendavais
e viver as horas que não vêm mais...
É saber da morte sem saber que sabe,
É ser Nicolau...e da despedida tudo sabe...
Ofélia Cabaço
2016-03-16



segunda-feira, 14 de março de 2016

Quando penso...

Ninguém por mim chama,
A casa vazia de cores e flores, solitária,
E os sentidos em conversa écloga
Bosques sombrios e vegetação multíplice
Aonde o Sol não entra, cúmplice...
Somem-se no mar como quem dialoga,

Saudade, sussurros ao meu ouvido
e tu, com meiguice de menino
me afagas os cabelos, em pequenino
Os teus mimos amorosos, como botões a florir
Indeléveis...
Tanto me beijavas, agradecido;

Tão belo é ouvir conversas do mar,
No silêncio do Sol-poente e amar
O vento que te traz em barco à vela
P´ro meu regaço molhado de ti, tutela
infinita, asas agitadas nos roçam a fronte...
E os afetos que o vento rejeita e o mar aceita
na melancolia dos nossos dias...defronte,
O mar que me ensinou pensar e amar
Talvez me chame e me confronte...

Ofélia Cabaço
2016-03-14


quarta-feira, 9 de março de 2016

A Porta

Foi numa noite sossegada
no que cabia conter sossego...
que de súbito se transformou tempestade,

Era o Vento, bateu à minha porta, irascível,
sob o domínio da Ira, ao lado da Inveja
e me gritou que sua porta seria a aferrolhada!
Mas... a porta jamais se abriu...
Como se fecharia?
Era não querer perceber o percebido, tão só
Alucinação, ira do pai dos ventos,
porque os ventos não pedem nada, podem simplesmente!

Sua puta...

A vida que lhe fora concebida, iluminada,
Invejada e não cuidada...
E a angústia se instalou de mansinho
Como mansos são os pinheiros do caminho
Não dobrados, inquietação numa fingida quietude...
A porta...
Fechada como sempre, um dia partida, caída
P´los ventos que acolheram sua partida,
Apenas com um adeus...

Ofélia Cabaço
2016-03-09





Momentos

E porque teima ignorar-me a memória
Já nem sei das palavras que senti
Poesia eu sei que sim, secou...
O que me pertence e me abandona,
Lá fora a paisagem é lugar vazio
As árvores não são árvores,
Já nem sei dos frutos que pensei...
As nuvens serão acaso nuvens?
Viagens no meu tempo, quimeras,
Oh quimeras quimeras quimeras,
Terreno fértil que o tempo apagou,
Como uma romã que apodrece sobre outra...

E porque teima ignorar-me a memória?

Ofélia Cabaço
2016-03-09


domingo, 6 de março de 2016

Chove

Chove e as bátegas tocam-se
como barulhentas pérolas,
São lágrimas no meu coração...
No parapeito duas rolas sacodem suas asas
Silêncio, e como uma onda que vai e volta,
O arrulhar descontente das aves
Espreito a quietude da paisagem...
e como um manto desgastado pelo tempo,
surge a bruma que se envolve e confunde...
Melancólica, espectral é a minha saudade,
Escultura no ar nebuloso, figuras minhas adoráveis,
A bruma...
Minh´avó acenando não sei bem d´onde,
Cabelos esvoaçando, colunas de mármore, incontáveis
Vinhas e cachos verdes, pomares desertos,
Um arrepiante nevoeiro e o silêncio sepulcral
Igrejas e catedrais, tão longe e sempre mais longe,
Como a fugirem de mim...
Não se ouvem sinos nem Trindades,
E, minhas mãos erguidas em suplício e saudade.

Ofélia Cabaço
2016-03-07





Seria o Mundo Uma Rosa?

À minha frente uma página em branco,
um lápis, a janela e uma rosa
O vazio ansioso e a memória esquecida,
Uma quieta luz...
e, a página em branco, não tanto como a Alva
que é pureza e madrugada...
Pensamento que se solta,
A rosa novamente..., com fulgor e vida,
Antes o mundo seria uma rosa?
Abriu-se e inebriou o ar e se fez mundo?
Talvez fosse uma deusa de nome Rosa...
Ao entardecer os poentes são rosas e grinaldas
e por lá deambula a deusa Rosa...

Ofélia Cabaço
2016-03-06


sábado, 5 de março de 2016

Diferente

Voa mais alto o pássaro
Diferente porque não tem uma asa
Com uma apenas, poisa no píncaro
sobrevoa serras e penhascos, sua casa
são as nuvens, entra e sai e volta
uma liberdade que a toda a hora se solta

Diferente,
Escárnio do mortal, insulto que morre...
Diferente, “o coitado”, que vai morrer
e não morre...
Diferente, fala o silêncio do seu grito
indiferente ao assobio, à punição da Torre...
Sobrevoa lagos e rios, com engenho, afasta atrito
Usa palavra na contemplação das coisas, e dos atos
Pensa tréguas, Paz, Verdade...

Eis o Diferente...
O inoportuno, o vergastado pelas intempéries, o absurdo!
Aquele que desperta risos nos tronos da denominação,
Corajoso, assiste e resiste ao palco da desconsideração
Diferente no indiferente d´um teatro obsoleto e surdo...

Diferente,
Voa quanto pode na busca do que não sabe,
E na noite recolhe-se nos brincos das árvores,
Desperto ao barulho e à mutilação dos abutres...

Ofélia Cabaço
2016-03-05




sexta-feira, 4 de março de 2016

A Rosa

Na jarra há dias uma rosa
colhida no jardim graciosa
O frio a fez murchar, mudou...
toda a idade o faz, encantou
olhares,perfumou lugares,
viveu elogios, alguns honestos...
foi amor e joia em muitos gestos
A Rosa...
Pétalas de puro encanto e manifesto
anúncio de doce tempo, lesto
em primaveras que um dia se esvaem,
Oh Rosas dos Tempos, suplico-vos: não caem!
Não sou rosa nenhuma, nem nenhuma coisa
Queria ser poeta, parceira d´pintor,
mais coisa menos coisa...
A Rosa...
Não poderia ser outra coisa senão graciosa.

Ofélia Cabaço
2016-04.03