Ti
Augusto vivia numa bonita vila a norte do seu país. Era um sitio
tranquilo, onde as pessoas nasciam, cresciam e viviam sem pressas nem
agruras; a vida e a morte decorriam de forma natural. Era uma homem
sozinho numa multidão de amigos que o visitavam frequentemente para
um ou outro deguste realizado na sua quinta. A quinta estava sempre
muito arranjada em termos agrícolas e não só. Havia sempre lugar
na sua mesa para quem chegasse de onde viesse e para onde fosse. Ti
Augusto, quando recebia, empenhava-se ao rubro. No verão, os
convidados faziam parte na preparação comensal, proporcionando,
naturalmente, um ambiente festivo com muita alegria. No inverno, Ti
Augusto fazia as refeições na garagem, aonde belíssimos barris de
bom tinto, espreitavam os convivas. Havia uma lareira onde o lume
crepitava, sucessivamente, aquecendo a garagem e o coração de Ti
Augusto.
Tinha
uma boa casa, sólida e muito confortável, o que, para qualquer
mortal era um sítio encantador,onde podiam ser felizes sem qualquer
entrave. Sua irmã senhora D. Bibi, tratava dos arranjos na casa e
ajudava o mano na lavoura e mais os criados, conforme as estações
do ano permitiam. Era uma quinta esplêndida de se ver e viver,
porque o labor era intenso e muito organizado, método que Ti Augusto
disponha desde o tempo de seus pais. Não obstante o trabalho que
tinham desde o alvor até ao escurecer da noite, eram muito felizes e
bondosos; gostavam de reunir muitos amigos e à mesa farta passavam
belas tardes de confraternização e amizade. Não havia amigo que
negasse um convite de Ti Augusto. Todos os dias, depois do almoço
faziam a sua sesta, e, pela tardinha, voltavam ao campo para regarem
as frondosas árvores de frutos e as as outras plantações; o milho
era uma cereal muito cultivado nas suas terras de solo fecundo. Ti
Augusto era um homem de tez morena e grandes olhos azuis, tinha
sempre um sorriso radioso, espalhando confiança e bem estar aos
demais.
Os
anos foram passando, a convivência com os amigos continuava, a sua
dedicação imensurável no ponto de vista dos afetos enraizara com
a idade, e, Ti Augusto, sentia que a vida vale a pena ser vivida.
A
determinada altura, a sua irmã morre, pois já tinha muita idade, e
Ti Augusto sentiu este acontecimento como o maior avesso da sua vida.
Ficou muito abalado e sem forças para qualquer ato ou desejo de
continuar fosse o que fosse. Os amigos tentaram animá-lo, mas a
assiduidade ao amigo foi perdendo aos poucos, passos e vontades, e,
ele, Ti Augusto, passou a viver o presente pensando nos mortos.
Era
verão, um verão intenso, daqueles, em que os fins de tardes são
calidamente abafados, e, Ti Augusto, abatido com as insónias,
passava parte das noites sentado no alpendre da sua casa. A nostalgia
que sentia levou-o a evocar o passado. Na noite, os ruídos
pareciam-lhe mais agressivos, mas a brisa perfumada pelas glicínias,
suavizava o seu temor. Neste abatimento tivera uma ideia, iria
convidar seus amigos para a apanha do milho que estava maduro e
precisava urgentemente ser cortado. Mandou mensageiro a todos eles,
com dia marcado para o efeito. Começou a ter mais energia e os seus
desejos começaram a ter vida, voltara a apreciar o balancear das
árvores e ouvir as lagartixas na sua correria noturna, eram para si,
o devir.
Na
véspera do dia marcado Ti Augusto preparou as ferramentas e todos
os utensílios necessários para o labor. Dormiu tranquilo numa
expetativa de recomeço às lides, sonhador, bondoso, imaginou a eira
cheia de milho para os criados malharem as massarocas e depois o
moinho transformar em milho. Acordou muito cedo e esperou no local
combinado pela imensidão de amigos que acompanhou a vida inteira.
Passaram
as oito horas, depois as nove, a seguir as dez, as onze, o meio-dia,
e todas as outra horas que a vida nos faz passar, do caminho para a
outra vida, um dia, sozinho como sempre esteve e nem se dera conta...
Nesse
dia, nem os sinos da igreja ouviu. Adormeceu para sempre.
Ofélia
Cabaço
2016-06-14
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