terça-feira, 14 de junho de 2016

Ti Augusto

Ti Augusto vivia numa bonita vila a norte do seu país. Era um sitio tranquilo, onde as pessoas nasciam, cresciam e viviam sem pressas nem agruras; a vida e a morte decorriam de forma natural. Era uma homem sozinho numa multidão de amigos que o visitavam frequentemente para um ou outro deguste realizado na sua quinta. A quinta estava sempre muito arranjada em termos agrícolas e não só. Havia sempre lugar na sua mesa para quem chegasse de onde viesse e para onde fosse. Ti Augusto, quando recebia, empenhava-se ao rubro. No verão, os convidados faziam parte na preparação comensal, proporcionando, naturalmente, um ambiente festivo com muita alegria. No inverno, Ti Augusto fazia as refeições na garagem, aonde belíssimos barris de bom tinto, espreitavam os convivas. Havia uma lareira onde o lume crepitava, sucessivamente, aquecendo a garagem e o coração de Ti Augusto.
Tinha uma boa casa, sólida e muito confortável, o que, para qualquer mortal era um sítio encantador,onde podiam ser felizes sem qualquer entrave. Sua irmã senhora D. Bibi, tratava dos arranjos na casa e ajudava o mano na lavoura e mais os criados, conforme as estações do ano permitiam. Era uma quinta esplêndida de se ver e viver, porque o labor era intenso e muito organizado, método que Ti Augusto disponha desde o tempo de seus pais. Não obstante o trabalho que tinham desde o alvor até ao escurecer da noite, eram muito felizes e bondosos; gostavam de reunir muitos amigos e à mesa farta passavam belas tardes de confraternização e amizade. Não havia amigo que negasse um convite de Ti Augusto. Todos os dias, depois do almoço faziam a sua sesta, e, pela tardinha, voltavam ao campo para regarem as frondosas árvores de frutos e as as outras plantações; o milho era uma cereal muito cultivado nas suas terras de solo fecundo. Ti Augusto era um homem de tez morena e grandes olhos azuis, tinha sempre um sorriso radioso, espalhando confiança e bem estar aos demais.
Os anos foram passando, a convivência com os amigos continuava, a sua dedicação imensurável no ponto de vista dos afetos enraizara com a idade, e, Ti Augusto, sentia que a vida vale a pena ser vivida.
A determinada altura, a sua irmã morre, pois já tinha muita idade, e Ti Augusto sentiu este acontecimento como o maior avesso da sua vida. Ficou muito abalado e sem forças para qualquer ato ou desejo de continuar fosse o que fosse. Os amigos tentaram animá-lo, mas a assiduidade ao amigo foi perdendo aos poucos, passos e vontades, e, ele, Ti Augusto, passou a viver o presente pensando nos mortos.
Era verão, um verão intenso, daqueles, em que os fins de tardes são calidamente abafados, e, Ti Augusto, abatido com as insónias, passava parte das noites sentado no alpendre da sua casa. A nostalgia que sentia levou-o a evocar o passado. Na noite, os ruídos pareciam-lhe mais agressivos, mas a brisa perfumada pelas glicínias, suavizava o seu temor. Neste abatimento tivera uma ideia, iria convidar seus amigos para a apanha do milho que estava maduro e precisava urgentemente ser cortado. Mandou mensageiro a todos eles, com dia marcado para o efeito. Começou a ter mais energia e os seus desejos começaram a ter vida, voltara a apreciar o balancear das árvores e ouvir as lagartixas na sua correria noturna, eram para si, o devir.
Na véspera do dia marcado Ti Augusto preparou as ferramentas e todos os utensílios necessários para o labor. Dormiu tranquilo numa expetativa de recomeço às lides, sonhador, bondoso, imaginou a eira cheia de milho para os criados malharem as massarocas e depois o moinho transformar em milho. Acordou muito cedo e esperou no local combinado pela imensidão de amigos que acompanhou a vida inteira.
Passaram as oito horas, depois as nove, a seguir as dez, as onze, o meio-dia, e todas as outra horas que a vida nos faz passar, do caminho para a outra vida, um dia, sozinho como sempre esteve e nem se dera conta...
Nesse dia, nem os sinos da igreja ouviu. Adormeceu para sempre.


Ofélia Cabaço
2016-06-14


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