quarta-feira, 29 de junho de 2011

S.PEDRO

Nesta noite de homenagem a S. Pedro, Sintra oferece-lhe bruma cerrada. O castelo lá no alto tem orvalho abundante, facto, que leva o rei e a rainha a irem descansar para não se constiparem. A vegetação que abraça calorosamente a serra está desanimada e... reclama o capote molhado. A noite está fresquissima e os foguetes vindos da Vila atormentam o silêncio habitual. Na Vila, há luz, música e muitas sardinhas a assar. As crianças correm de uma lado para o outro num frenesim festivo, seus pais, saboreiam os petiscos e os vinhos de Colares. As jovens procuram o amor idealizado, para completarem a sua felicidade. No Palácio há sons e música de Handel. No Olga Cadaval há teatro. Nos cafés juntam-se as comadres com as suas cusquices! Na Pastelaria Piriquita há uma  mesa rodeada por  inteletuais da Vila, conversam e dão livre curso às suas ideias. S. Pedro lá dos céus sorri, sorri tanto que nem sabe como parar, não obstante abençoa-nos a todos, e, com o seu perfumado cajado, goteja toda a população, brincalhão e bondoso. S. Pedro não te esqueças de nós! Por: Ofelia T Cabaço Cabaço

quinta-feira, 23 de junho de 2011

VENDAVAL

Chove copiosamente,
o telhado da casa amarela
sussurra e grita simultaneamente,
a paisagem é uma aguarela
desfeita num choro angustiante;
ao longe, na pradaria o vento
corre, veloz tombando os lírios,
da minha janela vislumbro o Bento,
que me acena receoso e com delírios;
na laranjeira há um ninho de pardais
que dança incessantemente, mal jeitoso,
as laranjas amargas, olham os beirais,
na sua cor ainda carregada e ditosa;
a buganvília solta as suas pétalas
como bailarinas esvoaçantes, libertinas!
muito lindas, uma a uma no ar fazendo alas;
o vento e a chuva continuam desatinados,
a destruição está cada vez mais vincada;
os vasos do parapeito cospem os nardos
no chão junto ao rio caiu a jangada;
os gatos no barracão estão amotinados,
muito quietos à escuta, à espera....
as nuvens de olhar cinzento narcisam-se
tentando encontrar uma polar esfera,
acotovelam-se sedentas de sossego,
com a clara certeza que precisam-se
anoitece! o  vento acalma,
a chuva sossega,
as estrelas timidas, espreitam,
está escuro, não existe alma;
o silêncio e a noite respeitam
as gentes da aldeia no seu sono;
o lume na lareira crepita,
os gatos ronronam .....
o cão deita-se orgulhoso e catita,
a porta range num alivio sussurro!

ofelia cabaço, 2011-06-23

terça-feira, 21 de junho de 2011

SENTIMENTO

nunca te senti, nunca te amei
nem sequer contigo conversei;
és uma bola de neve, leviana,
a saltitar de Diana em Diana;
sinto mágoa, sofrimento,incertezas,
das coisas que sei serem certezas;
como posso ter saudades tuas?
sendo eu, uma alma cheia de culpas,
sei que não existes... sou tonta;
vou desviar as minhas mágoas
para o sotão das teias, num baú!
coloca-lo-ei num recanto mau ....
irão ser recordações de ontem,
pintadas a óleo por um mago,
ficarão arrumadas, tão arrumadas,
como os cachos das uvas, bago a bago;
um dia vão acordar, já muito desaprumadas,
sem cor, sem ilusões, sem culpas.....
como depois de um Verão vaidoso,
o Outono aparece de rosto nervoso;


ofelia cabaço, 2001-06-21

quinta-feira, 9 de junho de 2011

o lirio e a árvore

o lirio todos os anos nascia e crescia naquele cantinho rodeado de malmequeres e flores silvestres, mesmo junto à grandiosa árvore que paria muitas e brancas flores de salgueiro.
os bolbos dos lirios conseguiam reproduzir aquela familia de lirios roxos e apaixonados todos os anos após a morte dos seus antecessores, chegada a primavera febril, ardente e viçosa.
a árvora gigantesca mantinha-se fiel a si própria vestindo-se e despindo-se das sua flores brancas conforme o inverno se despedia e a primavera se anunciava.
o lirio achava-se pequenino, sentia que não conseguia produzir o efeito tão produtivo como a árvore, que, por sua vez, oferecia sombra aos caminhantes e mirava-se constantemente no espelho do rio.
mas, a atmosfera prodigiosa daquele canto, tinha muito que ver com a fragrância doce que o lirio emanava e oferecia a toda a gente que passava no bosque.
Um dia, o lirio, após anos de admiração p´la árvore, já cansado, resolveu conversar e confessar o seu amor tão grandioso como de platónico.
a árvore ficou lisonjeada, vaidosa, curiosa, e mais do que nunca mirava-se ao espelho do rio e dizia:
....sou grande, tenho umas flores de cor cândida, dou sombra, os meus galhos quando despidos, dão uma infinidade de coisas, portanto, não posso de modo algum, descer ao nível do lirio, que, apesar de possuir uma  linda cor e emanar aquele cheiro saboroso e estonteante não passa de um simples lirio..... mas.....a verdade é que não o conheço muito bem....mas deve ser pouco inteligente, nunca fala!!!
o lirio continuou a fabricar o seu polen cada vez mais profundo, cada vez mais apaixonado, imaginava o dia em que a árvore descesse um pouco os seus esguios ramos para lhe acariciar as pétalas roxas e sedentas.
passaram alguns meses, anos e um dia o lirio disse á árvore:
não consigo perceber porque gosto tanto de ti, oh árvore, tu nunca me falas, nunca me dizes algo que me alegre e nem sequer me tocas com as tuas folhas tonalizadas de deslumbrantes verdes, nem tampouco,me mimas com as tuas flores brancas como hostias.....
certamente não gostas de mim, nunca deste p´la minha existência, e, olha que, teimosamente, todos os anos renasço para ti...
a árvore hipocritamente respondeu:
Oh não, lirio, não é essa a ideia, eu gosto de te olhar, mas repara, eu sou grande, muito grande e tu és tão pequenino...que iriam dizer as minhas amigas árvores também tão grandes??? e.... tão pequeninas às vezes!!!.
não faz mal, árvore, vou dedicar-me às borboletas, são tão bonitas, por dentro e por fora, tão frágeis e adoram-me, sinto que tenho sido injusto com elas, que, todas as manhãs, tomam o pequeno almoço comigo, dão-me imensos beijinhos e adormecem nas tardes de calor sobre as minha pétalas.
a árvore na sua fantasmagórica grandeza, sentiu-se rejeitada, ficou tristonha, sem saber como reagir....nunca mais ninguém lhe falou tão carinhosamente como o lirio e assim melancolicamente despiu-se, antes do tempo devido, e assim foi definhando, nem sequer o espelho do rio lhe transmitia a beleza frondosa de outros tempos.... até que um dia, muito perto do inverno um lenhador que, por ali passou, cortou os seus galhos curvados e secos, para se aquecer à lareira, nas noites solitárias e frias que se avizinhavam.
o lirio depois de vivência amorosa com as suas abelhinhas secou e desapareceu levado p´los ventos a caminho do norte.
assim, o canto ficou apenas atapetado de folhas secas e flores silvestre já raquíticas e dobradas p´la força das chuvas torrenciais.
O lirio e a árvore podiam ter vivido um tempo de harmonia, felizes e apaixonados, mas após o  tímido diálogo, o lirio, ficou terrivelmente desiludido, apercebeu-se que a árvore era egoísta,e que tinha passado tantos anos a sonhar com a árvore errada, foi um sonho inutil.............. daqueles sonhos que acontecem muitas vezes........

Ofélia Cabaço   09-06-2011

terça-feira, 7 de junho de 2011

HÁ DIAS

hoje acordei sobressaltada. Comecei o dia ansiosa e até muito péssimista. Então, tentei pensar no que poderia inquietar-me daquela forma. De repente,  dei um abanão a todas as idéias negativas que iniciaram o meu dia a aborrecer-me e a tornar-me inconsequente e angustiada.
Fiz uma análise à minha vida, ao que gosto de fazer. Pensei nas pessoas que amo e em especial naquelas que me amam. Pensei no meu filho e em todas as coisas boas passadas connosco durante a sua infância e adolescência. Comecei a sorrir....nada mau! Pensei nas refeições saborosas que gosto de preparar para a minha familia e amigos.Pensei nos Açores e nas pessoas que lá vivem que fazem parte de mim própria. Pensei no mar tão azul de S.Miguel,no amanhecer, no pôr-de sol, nas azálias, nas hortenses. Até lembrei aquela véspera de Natal que juntamente com os meus primos e amigos fomos às sete-cidades apanhar verduras para as jarras e para o presépio. Conseguimos, com muita sorte, vislumbrar a Lua refletida na lagoa azul, ficamos extasiados num silêncio absoluto, como que, a memorizar tão belo espectáculo, e, eu, fiquei tão comovida, para gozo saudavel dos meus amigos nos dias que se seguiram. Continuando nos meus pensamentos, imaginei-me a passear no Pinhal da Paz e por conseguinte a albergar um pouco daquele silêncio e daquela paz, no meu coração.
Pensei na minha escola e do quanto lá fui feliz....
Mais tranquila, tomei banho, fiz o pequeno almoço, como sempre,. Na cozinha, o Sol brincava comigo, ora aparecia, ora desaparecia. O Sol Iluminou os bules que estão perfilados na prateleira de vidro e sorridente apresentou-me o pó. Fui tratar da minha Piruças. No quintal duas borboletas multicores  também tomavam o pequeno almoço, redopiavam prezenteiramente em volta dos malmequeres e dos ciclames. Afinal o dia estava a ser uma festa. Que bom! Fiquei feliz.

Creio que não vivo constantemente saudosista, mas, as coisas boas da minha vida, as pessoas, os gestos, os amigos, a familia, quer no passado, quer no presente são de uma importância sem limites para mim. Muitas vezes dou comigo, a pensar comigo, se isso será saudável ou não! Isso agora não interessa, o certo é que eu sou assim e estou contente.

Ofélia Cabaço  2011-05-12

segunda-feira, 6 de junho de 2011

AS ROCHAS

a praia de areia branca
até às rochas estende-se,
as rochas altivas,descrentes
são negras como o breu,
o dia começa cinzento!
o mar lava-lhes a cara com fúria,
.....dá gargalhadas   sonoras,
que se fazem ouvir no horizonte,
então diz o mar às rochas:
inúteis, estão aí paradas,
à mercê dos ventos, da chuva,
do Sol e de mim que sou forte!
e....o mar continua a rir alto.
as rochas olham, tristes para ele,
desejam ter pernas ou asas,
fugir ou voar para muito longe...
mar ingrato, pensam as rochas,
tão cruel...................
e, assim paradas,ficam a olhar-se
num pasmo silêncio comovedor.
mas...........................
ao entardecer o mar veste-se
de túnica laranja, coloca chapéu
vermelho, brilhante estende-se,
calmo, sonhador, conversador,
deixa-se enternecer com as sereias,
as rochas mais aliviadas, babam-se
                de espuma branca,
refrescam-se e conversam espevitadas
com  os pássaros que por ali abancam
para pernoitarem....................
elas poem a mesa com toalha de espuma,
buzios, mexilhões, peixes e caranguejos,
a lua sorri, redonda como um queijo,
lá do alto, contempla o magnifico cenário,
a noite está calidamente encantadora,
e, ela, a lua, reflecte-se no campanário,
mas..... e o mar voltará a enfurecer-se?
interrogam-se as rochas, inquietas......
quem sabe? talvez ao amanhecer.
quanta força! quanta arrogância!
as ondas brincam, em dias de calmaria,
enrolam-se, carinhosamente riem,
muito baixinho, como quem chama por Maria
enquanto o mar se diverte e espreguiça
as rochas atentas, negras como o breu,
................vigiam  a praia branca,
apesar do mau génio do mar..........
conhecem-se no tempo, na história,
tal como o pastor e o seu lebré
nas altas montanhas de largas ancas,
em silêncio, deixam-se adormecer
até que a aurora as vá saudar.....
e, tudo recomece.....novamente!

ofélia Cabaço, 02 de Junho de 2011