quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O Tempo do Nada


No tempo em que o Tempo existia
 Antes da minha existência…
O sossego passeava nas ruas da minha cidade
Por entre as cortinas das janelas, a curiosidade
Espreitava enfadonha o Sossego do Nada,
Caíam mansas as noites
E o Sossego continuava impávido o seu passeio,
Sereno, como a Lua morna …
Mulheres de cara tapada e boca calada,
Adejavam profusamente afugentar o Sossego,
Premonição com flâmula débil, açafrão desmaiado
Entorpecimento, receios e desejos (…)
E, no silêncio das tardes e no Sossego desassossegado
Sentavam-se elas no alpendre de seus sonhos
E davam asas à sua vontade, vivendo um faz-de-conta,
O Sossego acariciava suas faces e alagava seus olhos…

Junto à findável muralha do cais,
As mulheres ouviam o mar e nele depositavam seus ais,
Pediam ao mar que as levasse saltitando de onda em onda
Até ao horizonte luminoso para além do Sossego…
Com um suavíssimo e indizível assobio
O Sossego chamava atento e sombrio
Onde estaria, naquele tempo, a grinalda do aconchego?
Era o tempo em que os sinos da igreja,
Badalavam rituais e lealdades convencionais,
Aziago perpetrado……
O povo proclamava assim seja!

As igrejas onde o tal Sossego era imperador
Com diáfana abóboda celeste,
Cheiravam a morte e a flores doentias, prisioneiras!
Velas com luz ténue, denunciavam os rostos sofridos,
Pálidos e trémulos com receio dos pecados, o Sossego!
As beatas solteironas invejavam noivados…
Olhavam em redor com vistas que não viam,
Sossego do desassossego…
Flores de laranjeiras purificavam os amantes
Eram imensos os laranjais (…)
E, em toda a parte o Sossego e o Respeito
Do desassossego disfarçado em cada Porta…

O meu corpo não existia, eu sei do que falo...
A fome assolava na casa de cada um,
Atormentando um sossego seculum…
O desassossego dos corpos inquietando as almas
O Sossego,
Do desassossego disfarçado em cada Porta….

Ofélia Cabaço
2015-01-21





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