domingo, 4 de janeiro de 2015

A Cara do Mundo

Pensativo um homem no Café observa:
Na rua, outro homem abraça o filho
Em frente um jardim lavado, a chuva
As folhas caídas das árvores jazem no chão
Assim como a sua ilusão…
Atrás das vidraças uma velha tricota manta de lã
Na sinuosa rua ao lado uma rapariga e sua bicicleta
Um cego, na esquina toca um fado
A sua vida e o seu acordeão
O homem senta-se à mesa, a sua habitual,
Fuma mais um cigarro e finda o maço
A televisão do café tremelica, as imagens saltitam
No passeio, muito extravagantes, deambulam senhoras
Com ar muito elegante, de fraque, passam os agiotas
O mendigo pede e tem as calças rotas
As aranhas também passeiam, no chão do Café
O homem deixou cair um cigarro do maço novo
As formigas revestem-no de preto
Em frente do Café há um edifício a cair de podre
O homem levanta-se e sai
Tem vestido um fato cinzento e gravata preta
Usa bigode e um chapéu
Passa pelo jardim e o varredor cisma com as folhas
Sussurram com olhos fundos, algumas velhas
Na mesa do Café há uma queimadura
E o homem disfarçou-a maduramente
Pois acredita no inacreditável…
No espelho, vê na sua cara, a cara do Mundo
Uma cara que nada tem de Adónis
Duas feias rugas vingam-se na sua testa
Consome outro maço de cigarros…
Volta ao Café…
Os clientes bebem as vinhas do Dão
Estão revoltados com o Adão
A mulher da limpeza, ingenuamente
Elimina o cigarro vestido de formigas
A queimadura da (sua) mesa do Café persiste
As moscas confundem-na com mel
Insistem tal qual ela persiste…
A prostituta gorda com lábios vermelhos
Insinua-se…
O dono do café cicia ao seu ouvido
Uma mendiga, pede e chora
O pobre dos pobres não ouve, ora,
O homem ampara a sua cabeça, desassossego,
A sua alma diz-lhe algo…
Levanta-se e dirige-se para o seu quarto
Fica no edifício em frente, o podre,
Tem uma janela que não tem luz
Há um vaso de barro,
A terra mantém vivo o seu malmequer.


Ofélia Cabaço
2015-01-05




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