Grupo Seara Nova
Aquilino Ribeiro
Aquilino Ribeiro nasceu a 13 de Setembro de 1885 em Carregal de
Tabosa, concelho de Sernancelhe. Faz a sua instrução primária em Soutosa, onde
os seus pais residiam na época. Depois
muda-se para Lamego e Viseu, onde entra para o seminário. Como não tinha vocação para
ser padre desiste.
Durante a
agitação republicana em 1906, muda-se para Lisboa, onde começa a escrever os primeiros
artigos em jornais. Um ano depois é preso por consequência da explosão de uma
bomba, mas consegue evadir-se e, entre 1908 e 1914, vive entre paris e Berlim. Volta a Portugal em 1914 aquando da eclosão da
I Grande Guerra. Publica o seu primeiro romance em 1918. “ A Vida Sinuosa”,
dedicou aquela obra à memoria de seu pai, Joaquim Francisco Ribeiro. É
convidado a trabalhar na Biblioteca Nacional
por Raul Proença, em 1919. E, é a partir desse ano que escreve sem parar,
"Terras do Demo" (1919), "O Romance da Raposa" (1924),
"Andam Faunos Pelos Bosques" (1926), "A Batalha Sem Fim"
(1931) e muitos outros títulos. Envolve-se em disputas contra a ditadura militar
mais propriamente no Porto e em Viseu.
Por consequência, exila-se por duas (1927 e 1928) vezes em Paris, onde casa
pela segunda vez (a primeira mulher falecera). A seguir, o seu trabalho
literário cresce a cada dia, "Volfrâmio" (1944), "O Arcanjo
Negro" (1947), "O Malhadinhas" (1949), "A Casa Grande de
Romarigães" (1957), "Quando os Lobos Uivam" (1958). Este último
livro, quando é publicado é de imediato apreendido
pela censura e sucede-se um processo em tribunal. Então, Aquilino
decide viajar para Brasil, Londres e Paris. Em 1963, durante as comemorações do
50° aniversário do seu primeiro livro “A Vida Sinuosa” promovidas pela
Sociedade Portuguesa de Escritores, então, presidida pelo escritor Ferreira de
Castro, Aquilino Ribeiro adoece inesperadamente e morre a 7 de Maio de 1963,
tinha então, 78 anos.
O livro que mais amei foi “ Quando os Lobos
Uivam”, até o título era sugestivo e muito profundo. Foi com a publicação deste
livro que o autor teve um mandato de captura a apreensão de todos os seus
livros editados, pelo regime de Salazar.
Naquele livro Aquilino descreve a dureza da vida
das gentes da Serra dos Milhafres, muito especialmente a história de vida de Manuel
Louvadeus que tinha vivido no Brasil durante dez anos e devido ao silêncio das
suas cartas, Filomena, sua mulher e os seus dois filhos Jorgina e Manuel, já o
consideravam morto. O Brasil era uma terra longínqua, onde se dizia que quem
para lá ia não voltava.
Um dia, Manuel Louvadeus, consegue voltar à sua
aldeia. Durante a sua estada no Brasil, leu muitos livros e veio mais
conhecedor dos seus direitos. Daí a sua intervenção corajosa quando o Estado
Novo quis expropriar os terrenos baldios que sempre
tinham sido o sustento da comunidade da Serra.
Manuel Louvadeus consegue informar os aldeões
relativamente ao que estava certo e errado para o bem dos habitantes da Serra
dos Milhafres. Assim o povo começou a ouvi-lo e a respeitá-lo e a deixar de ter
tantos receios pelas ameaças dos “cabancas” do Estado, especialmente a G.N.R. que se infiltrou naquelas paragens com esse
intuito.
Aquilino Ribeiro descreve naquele livro a
ignorância de um o povo trabalhador e honesto que sem qualquer alternativa de
ensino, obedecia cegamente aos mecanismos fascistas da época.
Os tribunais agiam de acordo com a ditadura.
Aquilino Ribeiro denuncia toda a maldade do Estado e o seu aproveitamento da
humildade e da natureza genuína do povo beirão.
José Saramago quando ganhou o prémio Nobel da
Literatura disse que, se o Aquilino Ribeiro fosse vivo, seria ele a ganhar
aquele prémio.
Só percebe realmente aquele desabafo de José
Saramago quem leu e lê Aquilino Ribeiro.
No livro “ Quando os Lobos Uivam” há uma discrição
que eu acho particularmente bela.
“ Manuel Louvadeus subiu os degraus. Em cima, no
patamar, topou a porta fechada e deteve-se, quando ia para bater, como quem
toma fôlego. Com a breca, achava tudo tal e qual! Os dez anos de ausência
apagaram-se como um sopro perante a obsessiva eternidade que se lhe oferecia ao
lance dos olhos. Tudo na mesma, a velha aldraba, puída de tanto se lhe pegar, o
espelho da fechadura escantilhado a uma banda, a couceira de lenho fibroso e
terso, não chamassem ao castanho os ossos de Portugal. Quer á roda, o alpendre
de telha vã e os esteios esgrouviados, a pedra negra da parede em que o musgo
pastava seus herpes lucilantes, e ainda o silêncio, ah, este silêncio da
moradia rústica, a desoras , humilde, suspicaz e atento como um rafeiro no
ninho, quer por largo, os carvalhos do vale e os telhados próximos, se
envolviam na antiga paz vesperal do céu e da terra, fusca e intáctil como a
cobertura duma gare. Que distância, anos e anos que correram na levada do tempo,
e as coisas conservaram-se ali iguaizinhas, estáticas, teimosas no seu ar de
encantamento! Talvez mais velhas ….. sim, mais velhas, ferradas mais fundo
pelos dentes da morte e a despenhar-se na voragem como as telhas do
beiral.Era lua cheia, pelos fins de Março Marçagão, na altura do ano em que os
dias são iguais às noites, e pelo tinir dos garfos e pausas intermitentes
assentou para consigo que estavam a cear. – Miga bem a tigela! Dizia a voz
materna, amorável no seu sotaque ralhado. – Miga bem Jaime, que só tens caldo!
Depois a vozes calaram-se. Ressoam assim os córregos quando descem das
serras e tropeçam nos seixos
solevantados. Mas ele que tinha que especular?! Decidiu-se. bateu uma….duas….três vezes, e
postou-se, parado, á escuta, como os mendigos depois de rezarem o padre-nosso.”
Este regresso tão cheio de saudades e incertezas,
com a observação ao pormenor dos traços originais da cada coisa, era realmente
um relógio de saudades sem horas.
Aquilino tem frases de uma sábia escrita no mais
distinto dicionário português! Pessoalmente, quando leio Aquilino é
imprescindível ter o dicionário da língua portuguesa à mão, mas o dicionário de
oiro de Aquilino Ribeiro, estava no saber incontornável do povo genuíno, bom,
trabalhador, humilde, sábio que acompanhavam as vozes alteradas pelos ventos
das serras do demo. Eles e só eles sabiam articular palavras sentidas pelo
abandono do conforto, da justiça e até das inquietações existentes naquelas
paragens tão longínquas e tão desconhecidas.
Assim, Aquilino incomodava o poder vigente,
incomodava o ditador António Salazar e não tinha descanso.
Salazar um dia disse a um jornalista acerca de
Aquilino “ é um inimigo do Regime. Dir-lhe-à mal de mim; mas não importa : é um
grande escritor.”
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