Para ela não havia uma
divisão entre os mortos e os vivos, era como se vivessem numa comunidade
separados apenas por uma cortina que não se podia desviar. Dona Tranquilina
tinha nascido numa península de La
Goajira, de areais ardentes pelo sol imenso, de índios, contrabandistas e
bruxos, daí toda a sua tendência para contar histórias acerca dos espíritos,
invulgares e extraordinárias como se fossem as mais naturais no dia a dia dos
vivos. Gabito todas as noites tinha muita dificuldade em adormecer, pois a sua
imaginação povoada de histórias fantasmagóricas, durante a noite
atormentavam-lhe.
Aquele menino que apreciava
os aromas a nardos e jasmins e amava ouvir os barulhos incessantes dos grilos,
como é tão natural nas noites dos trópicos, ficava sentado numa cadeira a ouvir
a avó falar da tia Petra, do tio Lázaro ou da tia Margarita Marquéz, que
morrera muito menina, e era muito linda, e que no decorrer das gerações tinha
ficado na memória de todos.
O certo é que ainda hoje,
segundo Garcia Marquéz, quando fica num hotel e está sozinho, todas essas
histórias e receios o atormentam, pensando que os mortos estão passeando no
escuro do seu quarto.
Luísa, a sua mãe, era uma
mulher muito bonita que se apaixonara pelo telegrafista que trabalhava em
Aracataca, e contra a vontade do Coronel seu pai, casara e depois do
nascimento do Gabito foi viver para Riohacha, uma cidade nas margens do Caribe
que em tempos tinha sido muito explorada por piratas. Lá teve mais quinze
filhos. Gabito ficara com os avós até aos oito anos, altura em que o seu herói,
o avô, morrera.
Assim terminava a sua
primeira infância.
Lendo a história de Gabriel
Garcia Marquéz, eu partilho com ele algumas das suas mágoas e muitos dos seus
medos, tal como ele, fui criada pela minha avó e tias, e também, conversavam
comigo, como se eu fosse uma mulher
adulta naquela casa. Percebo o que é pensar e acordar, sonhando que estamos a
viver aquela passagem de vida, com a mesma casa, e aquelas personagens que
povoam na nossa mente, umas vezes felizes, outras amarguradas.
Garcia Marquéz só voltaria
a Aracataca muitos anos depois, em que as casas e os sítios, onde antes
aconteciam a azáfama da apanha das bananas ainda verdes transportadas por
carroças de bois para a estação férrea, a fim de viajarem para os Estados
Unidos, estavam reduzidas a pó e ao mais completo silêncio de abandono e
desolação.
Garcia Marquéz começou a
escrever mais para demonstrar a um amigo que a sua geração era capaz de
produzir escritores, e o certo é que produziu um leque extraordinário de escritores
como Mário Vargas Llosa, Pablo Neruda, Jorge Amado, Milan Kundera e muitos
mais.
Ainda hoje, para Garcia
Marquéz, escrever é um prazer e simultaneamente um sofrimento, pois recorda que,
quando era um simples jornalista era capaz de numa só noite escrever cinco ou
até dez páginas de um livro. Lembra na sua entrevista a Plinio Mendonza, que
duma só vez, e numa assentada, escreveu um conto. Hoje, já fica muito feliz se escrever
um bom parágrafo num só dia. Acha que cada vez mais, escrever é um sofrimento,
e, é porque o sentido da responsabilidade vai aumentado, e provavelmente não
quer desiludir os seus leitores.
Cem Anos de Solidão foi
escrito por Gabo, nome que os amigos lhe atribuem desde a sua adolescência e por
influência das histórias contadas pela sua avó durante a sua infância, pois
eram contadas, por mais cruéis que fossem, sem que ela se perturbasse
minimamente. Daí, a sensação que ele mais tarde descreve, de que lembrando a
avó e suas histórias conseguiu que a narração de Cem Anos de Solidão mostrasse
uma verosimilhança daquelas histórias e imagens. Cem Anos de Solidão é um livro
de magia, de vivências invulgares. A atitude de José Arcadio Buendía, marido de
Úrsula, era a de um homem decidido e empreendedor. Foi ele que reorganizou a
aldeia chamada Macondo, onde viviam cerca de trezentos habitantes. O traçado
das casas foi realizado por Buendia e nenhuma casa recebia mais sol do que a outra, aquando o calor incidia
com força sobre a aldeia. Em relação ao abastecimento de água, todas as casas
estavam em posição para que o esforço fosse igual na obtenção da mesma. Macondo
era uma aldeia que personificava o trabalho, organização e igualdade. Desta
forma todos os habitantes tinham cerca de trinta anos e nenhum havia falecido.
Ele era um homem muito especial, encheu as casas, em especial a sua, com
gaiolas habitadas pelas mais diversas raças de pássaros. Toda a aldeia ouvia o
cantar dos pássaros. Úrsula, chegava até a tapar os ouvidos com cera de
abelhas, para não perder a razão da realidade. Ela era uma mulher de pequena
estatura, mas de garra, nunca cantava e trabalhava de sol a sol. Admirei na
personagem, o facto dela ser uma mulher que mantinha a casa arejada, limpa e
devidamente arrumada, construindo desta feita um ambiente de conforto e prazer
a toda a sua família. Eles tinham construído a sua mobília, rústica, é certo,
mas dada a personalidade de Úrsula, tudo estava impecavelmente limpo e arrumado
atá as velhas arcas onde guardavam a roupa lavada, cheiravam a manjericão.
Muitas vezes, durante a minha vida pensei nesta mulher, e achei que ser como
ela seria um privilégio. Ela aturava as manias que o marido tomava no seu
laboratório no quintal, fechado muitas vezes durantes semanas e meses, com uma
invulgar naturalidade. Era um homem vocacionado para as ciências e
fundamentalmente um democrata, eu acho!
José Arcadio Buendía, levou um dia o filho Aureliano Buendía a conhecer
o gelo, numa tarde longínqua. Macondo era naquela altura, uma aldeia com apenas
vinte casas de barro, construídas na margem de um rio rodeado de pedras brancas
idênticas ao formato dos ovos. Melquíades foi um cigano que trouxe um objeto
desconhecido para os habitantes da aldeia, o íman. Todos ficaram maravilhados
em como os tachos, as tenazes, os fogareiros e afins se deslocavam de um lugar
para o outro. Os objetos perdidos apareceram magicamente através do íman. Todos os anos havia ciganos que se instalavam
nas proximidades de Macondo para mostrarem as novas invenções. E foi assim que
José Arcadio Buendía comprou ao cigano dois ligotes imanados a troco do seu
rebanho de cabritos e o seu jumento. Pensou na hora, que aquele objeto o
iria ajudar a encontrar ouro na terra.
Obviamente que forçou todas as suas ideias e imaginação, quase tão extensa como
o universo, com demonstrações para a obtenção do oiro. Claro, que foram
esforços em vão, não encontrou nenhum oiro. E, sempre que vinham os ciganos ele
engendrava tecnologias com as novas ciências trazidas pelos forasteiros.
Eu entendo que a imaginação
sem limites é a de Garcia Marquéz, e isso revi em muitos dos seus livros. É dono de
uma fabulosa imaginação, mas muitas das histórias têm que ver com o seu passado
em Aracataca.
Um dia, seu avô, o Coronel
Nicolás Ricardo Márquez Mejía, levou-o a ir ver gelo em Aracataca, quando os ciganos
visitavam a aldeia com trapezistas e dromedários. Então uma vez, fez abrir para
ele uma caixa de pargos congelados para lhe explicar o mistério do gelo. O avô
tinha sido um liberal que se formara com honra através dos ideais de Garibaldi
e da radicalização francesa. O Coronal
tinha ido para a guerra às ordens do
general Rafel Uribe Uribe. No livro, Cem Anos de Solidão, a personagem do Coronel Aureliano Buendía, fora imitada
pelas características do general Uribe.
Gabriel sempre recordaria
as manhãs em que seu avô o levava a tomar banho nas belas cascatas de águas cristalinas existentes em Aracataca que
desciam velozmente pela serra. No silêncio das plantações, o coronel Nicolás ,
falava-lhe da guerra civil, dos canhões puxados por mulas, dos combates, dos
feridos e até mesmo dos mortos. Todas estas conversas matinais ficaram para
sempre na sua memória. De realçar que o velho concedia ao neto a maior
importância.
Lembro-me, da minha avó
dizer muitas vezes, que eu era tão esperta que quando nasci pus-me de pé na
banheira. Quando mais crescida, eu ouvia isso, ficava envergonhada com esta ingénua
afirmação, que não era mais do que o amor que ela me tinha. Os avós
tradicionais têm os netos em altas nuvens. Não deixa de ser ternurento.
Kafka que também contava
histórias quase da mesma maneira que sua avó, sem a mais leve perturbação, foi
de certa forma, uma influência para Gabo, quando na adolescência leu “ A Metamorfose”. Gregório Samsa podia
acordar uma manhã transformado num gigantesco escaravelho, e disse para mim: “
Eu não sabia que isto era possível fazer. Mas se assim é, escrever
interessa-me” Reportagem de Plinio Mendonza a Garcia Marquéz. Plinio Mendonza
foi embaixador de Bagotá em Lisboa e é padrinho do filho mais velho de Garcia
Marquéz. Sabemos que o escritor tem dois filhos e é casado até hoje com Dona
Mercedes.
Numa das muitas
superstições de Garcia Marquéz, a que acho mais piada, e até poética, é a de
ter sempre na sua secretária um jarra com uma rosa de cor amarela. Bonito!
Não gostou dos
deslumbramentos das carpetes vermelhas, da música de fundo, dos smokings, do
cheiro a velas e a flores, quando foi a Estocolmo receber o prémio Nobel. Pensou
estar no seu próprio funeral e para contrariar regras foi vestido de branco. A determinada altura alguém disse: Porque é que
o Gabo vem vestido de padeiro?
Garcia Marquéz ganhou o
Prémio Nobel da literatura em 1982 com o seu livro Cem Anos de Solidão.
Escreveu : A Revoada, Horas Más, Os Funerais da Mamã Grande, Relato de um
Náufrago, Crónica de uma Morte Anunciada, O Amor em Tempos de Cólera, O Outono
do Patriarca e muitos outros.
É um lutador pelos Direitos
Humanos e o saldo da sua luta é difícil de calcular com as injustiças que o
mundo, explicitamente ou implicitamente
oferece aos mais desfavorecidos. Creio que, acredita veementemente que todo o
ser humano merece viver com dignidade.
Os escritores considerados,
em determinada altura da sua vida, como grandes romancistas foram Ernest
Hemingway e Graham Greene, entre outros.
Hoje Garcia Marquéz sofre
de um cancro linfático e segundo seu filho Rodrigo, conceituado cineasta,
ele não reconhece as pessoas, a não ser
pela voz. Vive em Cuba e além de
admirador é amigo pessoal de Fidel de Castro.
Obs: Garcia Marques é um
dos escritores que eu admiro. Escolhi-o porque a professora
Vera, disse-nos uma vez na aula, que o seu livro preferido era Cem Anos
de Solidão.
Como agradecimento pela sua
boa vontade e participação.
Ofélia cabaço 2012-06-10