sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O BOLO DE ARROZ

Numa manhã cinzenta de Outono depois de dar o pequeno almoço á sua neta a Senhora Amélia conversou com a sua filha mais nova dizendo: Tenho de comprar o livro de francês para  a pequena " mon ami pierrot" mas não sei como arranjar dinheiro para tantas coisas.
A matricula, agora a consulta de oftalmologia, vou tentar comprar-lhe o óleo de fígado de bacalhau, pois ela é tão alta, tão magrinha, não gosta nada de comer......... estou muito apoquentada, só não queria morrer e deixar esta menina ao desamparo já que os pais nem se lembram que ela existe.......
A Senhora Amélia de seguida chamou  a neta para acompanhá-la até á praça, local onde fazia as compras quase todos os dias,  barafustava com os vendedores para lhe venderem a fruta e as hortaliças  mais baratas.... ( sempre tudo tão caro, vocês pensam que andamos a roubar)....... eram momentos de confusão para a sua neta que detestava aquelas conversas ofensivas entre vendedores e a sua avó. Ás vezes até lhe apetecia esconder-se dentro do cesto grande de vime onde um dos vendedores arrumava as pimentas malaguetas.
Mas ,naqueles dias, a avó sempre lhe comprava na padaria da  Rua da Arquinha um bolo de arroz, quentinho e com sabor a limão, muito saboroso. A neta adorava, se bem que, nunca lhe pedia  nada. Naquela manhã, depois de ter ouvido toda a conversa com a tia Joana acerca do livro, da carestia da vida e das preocupações da avó, decidiu tomar uma atitude relativamente ao bolo de arroz quando chegasse o momento daquele prazer tão assíduo.
De regresso a casa passaram na rua da Padaria, a avó entrou e pediu o bolo de arroz e a neta disse: Mamã, ( porque lhe chamava mamã) hoje não me apetece o bolo de arroz, não tenho vontade! A avó comprou o pão habitual e nada disse. Na subida da Rua da Arquinha encontraram uma amiga da avó, que pertencia à familia Rebelo, e a Senhora achou a neta muito alta, muito bonita, elogiou muitissimo os seus olhos e achou-a parecida com o pai que por sinal, disse, que  já não o via há muito muito tempo.  E, a avó no meio da conversa contou:
Sabe, esta menina é observadora e preocupada, imagine que antes de sair, estive a conversar com a minha filha Joana acerca das dificuldades que tenho tido em relação ás despesas e, possivelmente, ela ouviu tudo, então, é habitual eu comprar-lhe um bolo de arroz  e hoje ela disse-me que não tinha vontade, uma coisa que ela adora é o bolo de arroz, mas certamente não quis que eu  gastasse dinheiro. Veja só como ela é preocupada e assim faz-me sentir muito triste, minha rica filha......
Afinal, a avó percebeu o sentir da menina, mas nem sequer conversou com ela, depois contou o caso á Senhora Rebelo, como se ela ali não estivesse. Aquela avó era uma mulher muito esperta e muito especial, era o mundo daquela neta!
Os tempos eram assim, as pessoas tinham a capacidade de se perceberem sem grandes conversas.

Ofélia Cabaço - 2011-09-09

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