sexta-feira, 31 de julho de 2015

Filantropo

Os deuses ergueram um templo para ti,
Homem filantropo que honras a Natureza
Campos férteis e tua alma virtuosíssima
Erguem hino ao Além…

Represa sublime é o teu coração
Em cada campo florido, em cada pomar
De sabores e cores a perfeição dum altar,
Teu espírito, invólucro do fogo e do Belo, aquém
Metáfora com bruma rosácea, oh! Homem filantropo
Peristilo aberto à cidreira, alecrim e perfumes
Como os jardins de Perséfone

Quando os campos são inférteis,
E a aridez devastadora,
Inundai a tua represa para que os lírios nasçam…

Ofélia Cabaço
2015-07-31




quinta-feira, 30 de julho de 2015

Meditei

Numa gigante pedra junto ao rio
Sob um firmamento escarlate
Sentei-me e meditei em murmúrio
Em volta de mim, um cheiro odorífico
Meu espírito elevado para caminhos floridos de primaveras,
Com os olhos fechados imaginei pictoricamente
Um ilusório Mundo e adoráveis matizes, quimeras…

E minh´alma gizando meus sonhos,
Anelo que em nada foi deveras
Pensamentos merencórios, receio constante,
Como constante era a espera dum amanhecer amargo
Continuadamente e … demoradamente,

Pensei querer despir minhas vestes de melancolia
Princesa, não queria ser…
Antes camponesa jovial e feliz,
Rezei e revi a tragédia de Cristo, o seu drama,
Firmei meus olhos na pedra e comovida disse-lhe:
Não há tragédia que se lhe compare!

Deixei fluir meus pensamentos com as águas
Límpidas daquele rio que me escutou…

Ofélia Cabaço
2015-07-30





quarta-feira, 29 de julho de 2015

Quem sou eu?

Passa um dia e outro surge
Desponta o Sol em cada manhã
Plácido, deleitoso, estende-se sobre os montes
E a Terra iluminada em graça e em amor
Louva a claridade e o Tempo transparente;

As tardes quentes e sonhadoras irradiam
Sensualidade vertendo sonhos e cores
Enchem de contentamento meu coração,
Uma saudade longínqua do que não foi
Queria tanto…
Vagueio naqueles dias distantes, brumosos,
E só consigo ouvir o silêncio envelhecido, curvado,
E tão triste…
Vezes sem conta saboreio o sal com lábios trémulos
Lágrimas..., e o Tempo transparente
Ninguém, e ninguém palpável porque não é

Quem sou eu?
Que não preciso de nome para ser
Exaltação eu sinto,
Fragmentos e momentos efémeros eu vivi…
Fogo que abrasou minha mente e me deixou só

Oh! quem sou eu?


Ofélia Cabaço
2015-07-30




terça-feira, 28 de julho de 2015

Facto

Pintei um muro que era negro e assustador
Riscas roxas, malvas verdes, amoras vermelhas
Heras desfolhadas caíram a meus pés
E eu, com sentido inspirador
Ali e acolá, sois muitos, inventei
Embevecida, a pintura contemplei
Liberdade, eu vivi, na criação

De toda a vida, calou-se a negação
Não ouvi: não, não e não…
Silêncio e minha voz calada,
Assim, minh´alma rejubilou
Como luz esquecida, realumiada...

Ofélia Cabaço
2015-07-28




domingo, 5 de julho de 2015

Jardim Antero de Quental

Lembro-me do banco verde
Junto ao canteiro das azálias
No jardim da minha infância

O jardineiro plantava flores, atento,
Assistia ao florescimento das dálias,
Hortenses e alecrim

Elevado e de encontro ao firmamento
O busto de Antero absorvia os aromas,
Fragrâncias isoladas, ali e só ali…

Semblante altivo enunciando esplendor
Duma vida breve…
Príncipe na Terra que o brotou
Além e para todo o Além Rei e Poeta

Ouvindo a voz que me atiça
E às vezes o coração me despedaça
Olhava sentada naquele banco verde o poeta

O meu olhar exauria admiração
Talvez paixão fosse o altar da minha contemplação
Fazia versos rabiscados no meu caderno
Pensava obscuros…

Aquele seu olhar era terno
Na paz duradoura do silêncio
Enchia minh´alma de júbilo

O velho gritava, enxotava, alguém que não eu,
Pisara as flores…
Assustadas, as aves esvoaçavam à roda do busto,
O jardineiro bracejava indignado
Desmanchando um fantástico circulo, poético e libertador
Instante indesejado percorreu o poema
E, mansamente, o Sol deu lugar à brisa
Não muito longe, o mar saudava a muralha
As árvores dançavam ao som das brancas ondas
No banco verde do jardim, junto ao canteiro das dálias,
Eu meditava o amor e a dor…
Compreendi as estações do ano
O relevo de cada uma eu entendi,
Fingi não perceber o versus
Inocentemente, escolhi e amei o outono…

O tempo era imenso
Como imenso foi o abandono
Uma peregrina luz o dia fortalecia
Mas a noite minh´alma amortecia.


Ofélia Cabaço
2015-06-06



quinta-feira, 2 de julho de 2015

Busco

Busco coisas imensas
Na minha casa dispersas
Não dou conta disso, minha ansiedade omite
As coisas que minh´alma não permite
Mas há um dia e poucos outros são
Quase tudo o que busco…

A gata a ronronar junto à janela
A serenidade dela,

O silêncio
Os meus livros
A minha cadeira de baloiço

Cantar no beiral da minha casa as andorinhas eu oiço
Às vezes, perto de mim está
O que incessantemente busco,
Tantas coisas que minha alma rejeita
Com voz cansada os gemidos
Que me endoidecem e me perseguem

E busco, e busco, e mais dor encontro.

Ofélia Cabaço
2015-07-03




quarta-feira, 1 de julho de 2015

"Coisa"

 Transmitem confusa impulsão
Aqueles que se tomam por Eruditos
Resultante duma danada aspersão
Descrita “coisa”, que só a si, são iludíveis

De tão assombrosa a “coisa”
Quanto baste a extensa glosa
E estes versos não formosos
De mim nascidos, e para mim, frutuosos;

 Forma da “coisa” nublada, enredada,
Conforme o objeto…
Incontáveis emaranhados conceptuais
Aparência débil da salubridade,

Génio sublime que a muitos espanta
Que de si, não carece conceptibilidade,
Importa um ténue desvelo
À roda da Roda intangível, não dita…
Confusão impercetível, deixas e fúnebre vigília
Penosamente sublimada na dialética
Da “coisa”
Imaginação gloriosa, a que inventa sua hermenêutica,
A “coisa” da Coisa, portento desconhecido….tético.

Ofélia Cabaço
2015-07-01