quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Narciso

Sonhar é um botão
Na Primavera que não vem,
Quando vem, traz o Sol
Generoso, pintalga vidas,
O botão sonolento, deixa-se abrir
A seu lado, narciso irradia
Aromas de frescura contagiante,
Aventuras felizes, num repente….
O botão, depois rosa, vestida de vermelho
Espalha pétalas para narciso,
Narciso tonto, transmite doçura,
Ebriamente pede a mão à natureza!

 
Ofélia Cabaço, 2013-Fevereiro

Luar de Agosto

Naquele luar de Agosto
Nossas silhuetas no breu tremeram,
Durante um longo passeio, com gosto
Nossos desejos e ânsias, incendiaram!

Andamos por ruas estreitas do Egipto
Desenhamos deuses em nossas mentes,
Inventamos um feliz rapto,
Saltamos portões, destruímos redes,

Alcançamos uma liberdade platónica,
Abraçamo-nos, num pequeno instante,
Em silêncio, esperamos pela voz atómica
Nenhum outro momento foi tão importante!

Nossos olhares eram infinitos desejos,
Nossas almas, distintamente desiguais,
O nosso amor foram risos e beijos……
Sublime aquela noite de ais;

Naquele instante, amamos secularmente,
Saboreamos a baga da romã,
Rimo-nos, depois choramos desoladamente,
Despedimo-nos para sempre, em Amã.

 
Ofélia Cabaço 2013-02-13

 

 

 

 

 

INSÓNIA

Não consigo adormecer….
A noite avança apressada
Em consonância, as horas também,
Uma ténue luz forma túnica cinzenta
Da janela à minha cama, insinua calma,
Suavidade, um sossego aparente………
Inquieta, observo uma sombra sobre a cómoda
O Menino Jesus estará zangado, o que fiz?
Penso, rebusco, não achei!
Quando me viro agitada, a sombra persegue-me
Não consigo adormecer………………………….

 Ah, em criança, a inquietação assustava
Meus pensamentos poderosamente!
Enchia a minha alma de dúvidas e receios,
Então, escondia a cabeça nos lençóis,
Tremia até,
Depois, quase sem forças, suada,
Refugiava-me na cama da avó,
Fazia do seu abraço um doce aconchego,
Paulatinamente o medo fugia,
Iam as insónias pairar lá fora, longe!
Minha avó contava a história da Clarabela,
Com seus dedos quentes penteava meus caracóis,
Era um alívio, era  Paz  com  sabor a mel,
Para além de todos os medos do mundo!
Pela madrugada o galo cantava,
Mil luzinhas claras entravam no quarto,
Saltitando sobre a nossa manta de retalhos;
Hoje, nesta noite sem som,
A minha angústia faz nó,
Não desaperta, desperta dolência,
Indelevelmente cruel,
E, a noite continua a sua caminhada….
Tal qual a idade sem retorno,
Resolvo, amanhã viver intensamente,
As noites irão acontecer,
Até que um dia, a morte matreira,
Virá com sua mão sorrateira
Agarrar-nos com sorrisos falsos;
Agora, talvez consiga adormecer,
Os olhos estão cansados,
Não vou pensar, vou antes,
Imaginar campos de jacintos floridos,
Daqui a pouco vou acordar
Calçar botas possantes,
Palmilhar os caminhos da vida,
Esta nossa vida tão rápida,
Tão somente um empréstimo;
Quero dormir serena,
Quero acordar todas as madrugadas
E, dizer a Deus : obrigada!

 
Ofélia Cabaço 2013-02-20

INFÂNCIA

A minha amiga da infância,
É a imagem da nossa  inocência,
Personagem dos meus pensamentos,
Atriz no palco dos meus sonhos,
Presente na saudade dos sabores,
Fisionomia radiosa de todos as alegrias,
Porque enfeito a árvore de natal,
Um sininho tilintante cicia seu nome,
Coloco o presépio com musgos e bonecos,
O seu sorriso é como o da Virgem,
Peço, em silêncio ao Menino Jesus
Por ela e todos os que amo, e,
Surgem cânticos do passado, risos…..
E, ela lá está, fazendo coro,
Com perfume de alecrim,
A minha amiga sempre pequenina,
Mora comigo na quintinha do passado,
Reparto a laranja com ela,
Ofereço-lhe amoras dos montes,
Corro livremente com a saudade,
Então, roubamos limões e goiabas,
Sentamo-nos junto à cancela velha,
Conversamos, dizemos mal dos adultos,
Por fim juramos honrar a nossa amizade;
Na casinha sem porta, brincamos,
Imaginamos refeições com horas,
Enfeitamos latas tortas com magnólias
Sentamo-nos no cadeirão do faz de conta,
Usamos colares de malmequeres,
Brincos de  frésias  enjoadas,
Esperamos maridos, que nunca chegam,
Jantamos funchos, goiabas e limão,
Anoitece de repente, despedimo-nos,

Um adeus breve...................................

Sem sabermos que um dia aquele adeus
Seria gigante em separação e saudades.

 
Ofélia Cabaço, 2013-02-20

 

HOJE

Hoje consigo rir, rir muito de tudo,
Das pessoas, de mim própria
Do quanto fui crédula, utópica,
Da imensidão de sonhos ingénuos,
De partilhas, sinceridade de palavras e ações,
Piedades até, esmagamento de seletividade
Descidas e subidas repentistas para ouvir o “outro”
O gozo do “outro”, a sua incompreensão
O seu abuso sistemático, as ingratidões,
Hoje eu rio, rio descontroladamente
Meço a minha gigante ingenuidade, sem medida,
Ecoo gargalhadas sonoras,
Queria nascer outra vez!
Ser outra pessoa, viver no verde bosque
Ensinar a macacos de Darwin, gratidão!
Brincar livremente com esquilos, brindar o Sol
Passear abraçada ao elefante grande
No fim de cada tarde, quero ajoelhar-me,
Olhar os céus e, feliz, dizer ao Deus:
Obrigada meu  Senhor! Amo-te!

Ofélia Cabaço 2013-02-17

Fui, não Sou

 Amei, não amei,
Vivi, sem viver,
Fui mãe, não fui filha
Morri muitas vezes,
Caminhei, não andei
Trabalhei, sem voz,
Fui razão, com razão,
Senti o meu sentir,
Rezei mil rosários,
Bebi segredos do rio,
Contei sem contar,
Transmiti dizeres
Pensei no pensar,
Semeei pensamentos
Fui feliz sem risos,
Depois infeliz, chorei!

 Amei, não amei!

 Saltei sem asas,
Sonhei com grandes asas,
Comi, não engoli!
Dormi acordada,
Acordei a dormir,
Fui anjo branco
Deusa de vestes rotas,
Fui demónio, sem mal,

Vivi, sem viver,
Fui mãe, não fui filha!

Fui fantasma e rouxinol
Assustei e cantei,
Fui marcela nos campos,
Prisioneira eu fui,
Entrei nos jardins proibidos,
Virei costas a portas,
Abri fechaduras ferrugentas,
Acendi velas sem luz,
Corri cortinados desbotados,
Deixei o vento entrar,
E, não entrei!

Caminhei, não andei,
Trabalhei, sem voz,

Vesti-me com sedas,
Fui princesa também,
De chita fiz saia,
Camponesa eu fui,
Criança não fui,
Sou sentimentos de almas…..
Fui clara tremida,
Sem gema colorida.

 Fui razão com razão!

 
Ofélia Cabaço, 2013-02-18

 

 

 

 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Nossa Ilha

Num cantinho em S. Miguel
Nasceu o grande poeta Quental
A joia da poesia com cabelos cor de mel
Olhar profundo como o mar, neura fatal!

 Ilha, mãe de génios
Canto, Teófilo, Natália e demais
Com valentia afugentaram demónios
Alargaram horizontes e pintaram vitrais

Quental deixou-nos delícias
Poesia e amores sem malícias
Teófilo, honras de presidente
Canto, voluntarioso, plantou semente

Quental foi doce amigo, mente divina
Sobre sua alma passeava a neurose
Arrumou no coração a sua bela Rose
Cultivou sofrimento na dor materna

Nesta ilha de estranha voz muda,
Escondem-se piratas perdidos
Em moradia de saudade aguda
Jazem glórias de anseios límpidos

Canto e Borges nos jardins adormeceram
Ao som de nascentes, colhem açucenas
Assopros de sementes caídas
Sonhos desfeitos, filhos nasceram,
Surgiram palcos com outras cenas

Ilha de mística beleza
Albergue de velha franqueza
Enfrentou mares com tempestades
Aquietou vulcões e recebeu majestades

 Enxotou piratas duvidosos
Salvou barcas abandonadas
Agasalhou frades piedosos
Desbravou rochas desprezadas

Todas as noites a nossa ilha
Envolvida num manto de bruma
Descansa numa paz maravilha
Soberba por ser uma dama.

 
Ofélia Cabaço 2013-02-08

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O Meu “Space” 1976

Um caçador matou o meu cão
Com dois cartuchos fê-lo cair no chão
Afaguei o “Space” e ele não reagiu
Abanei-o e percebi que morreu

Foram tempos difíceis,
Reclamar eram vontades impossíveis
Hoje, sabendo quem foi, não reajo
O meu cão não volta, o caçador é asno.

 
Ofélia Cabaço 2013-02-05

Escola Primária

Tic. Tac faz na parede, o relógio
Lá dentro assobia a chaleira
São horas de ir p´ro colégio
Escondo o poema na chapeleira

Engulo a torrada, calço os sapatos
Com um laço ridículo apertam-me as tranças
No bolso da bata vai pão para os patos
Na sacola, uma boneca de esperanças

Não fiz as contas, a professora briga
A redação, disseram ter escrita legível
Começo a ficar com dores de barriga
Reclamei aquele dia, pouco aprazível

 

Ofélia Cabaço 2013-02-05

 

 

 

 

Peço

Peço aos deuses
Aos meus anjos e amigos
Ao sol, à lua, lá no firmamento
Que me livrem de falsos egos

 Que iluminem meus pensamentos
Que me conduzam na pureza dos lagos
À Virgem Maria, minha mãe, rezo e peço
Pois sou uma pecadora justiceira
Que deseja o fruto da macieira
Tenho mil instantes, que a Jesus não oiço

 Quero abraçar o mundo das crianças
Defender injustiças com esperanças
Desejo ensinar aos pequeninos o Amor
Com eles passear a alegria e a cor

 E, chegar aos sinos
E, badalar a vida!
Realizar meus sonhos
Ser enfim, uma feliz crisálida

 Anseio por uma borracha mágica
Desfazer caricaturas e mentes tristes
Desenhar sorrisos em boca nostálgica
Inventar cidades com pessoas crentes

 Içar bandeiras brancas no horizonte
Semear trigo com papoilas e milho
Desbravar florestas com força de bisonte
Partilhar terras e flores sem qualquer cadilho
E, amar, infinitamente!

 
Ofélia Cabaço 2013-02-06