quinta-feira, 30 de abril de 2015

Filho, Árvore e Livro

Ter um filho
Plantar uma árvore
Escrever um livro…

… ter um filho é uma real ascensão
Brota afetos em extensão
Ensina-nos a doçura do amor
Um filho partilha alegria e dor
É árvore com sede de rega
É soberba alegria e adversa tristeza
No deambular de prazeres estouvados
Acima de tudo transviados…
Um filho, apego permanente, mãos dadas
Aconchego quente e húmido também, abraço
Eterno, às vezes fugaz, outras, melaço
Os olhos dos filhos são versos de poetas
São abrigo das ideias volantes…
Baluarte até de coisas patetas
Amor tentado a desvanecer, mas permanece
Um filho é jardim e lagos, serras e terra, é
O cantar das fontes nas noites serenas
É uma teia permanente que a toda a hora tece…

…plantar uma árvore é elevar um lugar
É socorrer os pássaros e os seus gorjeios
É sorver fragância desde a infância
É ouvir serenamente o sussurro da folhagem
É dádiva natural, fazer vibrar gentios
Com sua sombra e abundância

São os aromas e os frutos, a sede e o sumo
Que perpetuam o Lagar…
Mil anos passam e espera-nos a árvore
Firme como as rochas à beira do mar, naquele lugar
Frondosa, bondosa…
Sozinha e altiva, arvorou,
Mas tal como nós, as árvores crescem e morrem
São o pio do nosso desalento e o florescer da poesia
Que nos habita e fantasia,
As árvores,
 São memória nas almas que não morrem…

…escrever um livro é viver Liberdade
É descrever pensamentos e recordar momentos
É não temer o mal e combater catos no meio das rosas
É ciúme de cada um, e não de si, escrever prosas…
É reviver memórias, celebrar acontecimentos
É a expressão sublime do nosso espírito
É desvendar o lugar precioso onde vive a nossa alma
É tentarmos apaziguar mágoas e libertar atritos

É ignorar picos quando murcham as rosas
É coragem e pertinência,
É subir montanhas e ouvir a Voz das vozes
É hedonismo breve
Lançado por longa verve…
É correr com o vento a arejar a alma, às vezes
Mutilada com a verdade das coisas
Negadas, versus duma crua realidade…



Ofélia Cabaço
2015-04-30
















quarta-feira, 29 de abril de 2015

Manhã Fresca

Na manhã fresca que o vento baloiça
Como um pálido eco d´amor,
Senti um beijo quente no meu rosto
Eras tu e aquele doce beijo reposto
Promessa da tua boca com sabor a rosas
Numa noite em que o firmamento era um rosal
A saudade engendra ilusões e dor
A lua branqueava o caminho e espalhava hóstias
Alvas como o esplendor das madrugadas,
As pedras rudes, passivas testemunhas…
Serei sempre o teu abrigo e tu somente meu
Gritarei o nosso amor até que o eco desmaie
E me torne folha d´arvore caída…


Ofélia Cabaço
2015-04-29


segunda-feira, 27 de abril de 2015

O Quintal da Avó Mariana

Na casa da avó Mariana o quintal
Era castelo de princesas e fadas, soberbia
A minha imaginação de alacridade, vital
Foi o caramanchão vestido de groselhas,
Havia um banco enorme de pedra velha
Desgastada pelos assentos constantes duma soberania
Antiga, lobrigada por incompetente austeridade…
No talhão de barro o maracujazeiro crescia florido
Dava muitas flores de cor rosada e frutos que em tempo ido
Perfumava o castelo, e as princesas cheias de vaidade
Completavam aquele lugar perfeito para se viajar no tempo
Senhora chique, eu era, usando o leque da tia Hermínia
Roto e em desuso, apenas recordação das recordações…
Era um prazer, que ao fazê-lo, me levava ao infausto campo
Espectro dum passado de amor e ações que não foram ilusões…
Beber chá na chávena sem asa, babada,
Que a tia emprestava porque eu amava as rosas pintadas
Minhas amigas, sombras da minha sombra,
Fazíamos três, personificação da desejada obra
O araçareiro, a minha professora, que nunca me respondia
Recebia ninhos, pássaros e borboletas que ali se reuniam todo o dia
O sol fugaz desaparecia e apanhá-lo eu não era capaz
Caíam bátegas de chuva quente, muitas vezes, nas minhas faces,
As ilhas e o tropicalismo, vulcões e sismos, nunca os mesmos!
E a chuva, ela mesma, pouco depois, trazia-me o sol…
No quintal da avó Mariana havia uma biblioteca de histórias contadas
Tão arrumadas como a história de histórias escritas e ouvidas
No quintal da avó Mariana mora a minha identidade e o meu passado…

Não haverá nunca intempérie que apague o sorriso da avó,
Porque a morte não conseguiu…

Ofélia Cabaço
2015-04-27

  






Poetizava

Quando, em menina, pensava
Cismava e não cantava
Desenhava e não ocultava
Aquelas variantes que eu trabalhava
E o gentio ouvia e espancava
Desejava ser D.Quixote, cavalgava
Colinas e serras, dormir ao relento desejava
Não sonhava ter castelo, a mim bastava
Um cavalo preto que balançava
Ter o Sancho que nas más horas me salvava
Andar por terras e moinhos achava
Esconder-me com o cavalo que açoitava
Com berros duma velha que ralhava,
Ao longe, uma bela horta vislumbrava
Sorrateiramente colhia e comia fava
Nas noites sob manto de estrelas dormitava
Nas áureas madrugadas rumava
Em barquinho que no mar flutuava
Dos moinhos nem sombra nem nova
O vento, meu companheiro, assobiava
Com Dulcineia conversava e acariciava
No sótão de minha casa vivenciava
Aquelas lides de menina que sonhava,
E assim minha vida continuava
Como uma lenda que prenunciava
Um pensamento que me elevava
E para sempre me acompanhava.

Ofélia Cabaço
2015-04-24


sábado, 25 de abril de 2015

Minha Alma

Na minha alma mora a poesia
Ao lado, teimosa, vive a música
Schumann orquestra por cortesia
Poetas declamam com voz tísica

Naquele lugar há contínuos choros
Pensamentos que não se deixam acorrentar
Viajam ansiosos por florestas de pitósporos
Enfrentam tempestades e chuvas de espantar

Todas as noites escuta fantasmas
Que a amedrontam com pragas
Num labirinto com chamas
Renasce a Esperança, sem chagas.

Ofélia Cabaço
24-01-2013





quinta-feira, 23 de abril de 2015

Na Varanda Daquela casa

Na varanda daquela casa poetizei
Sentimentos, ardores e compaixão
Sorvi estesias e amores imaginei,
Minh´alma tomou águas de paixão
Para meus olhos choro brotarem
Na alma não se vêm as lágrimas
Como o fundo do rio não se vê à tona

Fluem suas águas transparentes, movidas
Como os astros no Universo em harmonia
Minha boca dorida disfarça a tristeza
Com sorrisos e aromas primaveris
Em mim há um pedúnculo de flor, alteza
Atormentada…floresce enganos pueris
Dizimando o mundo de minhas esperanças
Sonhos de fadas e deusas inexistentes
Laboram minha verve ascendente
Com raios estouvados da lua vaporosa
Cobrem-me com imenso manto estrelado
Minha vontade anseia voar a seu lado
Silenciosa, numa tarde de carícias vaporosas
No firmamento rosáceo em fuga gloriosa

Sentir beijos de perfumes e encantos
Que me embriaguem daqui às montanhas
Cheiros de alecrim e floridos rosmaninhos
Soprarão os ventos para mim, extasiados…

E a Natureza refulgente,
Alegria minha que se impõe desmaiada
Sobre a agonia implacável da minha mente
Soberbos roseirais e ilhas fantásticas
De mim, som de mar e personagem
Duma fugaz ilusão de voo…



Ofélia Cabaço
2015-04-23





quarta-feira, 22 de abril de 2015

Angústia do Existente para Inexistente

Sinto uma angústia maligna que me aconselha incessantemente e me obriga a pensar na existência das coisas, onde se inclui o meu “eu” com apreensão doentia.
Faço um percurso aos primórdios do que nunca vi, mas senti, na perspetiva de encontrar um finito que me leve ao infinito, nalgum lugar do universo e onde, lá mesmo, uma voz possa dizer-me algo que me alivie…, um abraço, mesmo que abstrato, me aperte, me oiça e com alguma sumptuosidade impeça a angústia de me aconselhar uma rutura com o existente, um aconchego ao inexistente!
Depois, desejo encontrar o Pai de todos os pobres, e dizer-lhe baixinho, assim, sussurradamente, que O amo e que choro, e choro, e volto a chorar, porque o meu sorriso se impõe, somente, quando oiço as crianças, quando escuto a natureza e quando olho os pomares pintados de flores e frutos… tão doces e coloridos…
Mas o mundo não é somente uma “parte”, existem partes algures, por aí, onde as crianças não sabem sorrir, não podem ouvir a natureza, nem o nascer das madrugadas na sua plena magia, tampouco o canto das aves, nem o que são pomares de frutos saborosos; Escutam aquelas crianças, o medo…, somente o medo, e só isso, as fazem perceber que existem porque sentem a angústia do que não sabem que existe neste mundo de natureza tão ampla… as crianças que nada têm e carregam a angústia da sua existência, desesperadamente…
Dizem que o mundo pertence aos pobres, e são os pobres que impedem a nobreza dos espíritos, porque de tão pobres, só sabem o que é mandar destruir a nobreza do verdadeiro homem…

- Queria tanto sorrir e contemplar com ênfase este pomar colorido que é a Vida de todos os homens.
Dançar eu queria com mil crianças no bailado das borboletas esvoaçantes, coloridas e poisar tranquilamente no Pomar da Vida.

Ofélia Cabaço

2014-09-26


 


segunda-feira, 20 de abril de 2015

Paz

Quem te fala da Paz?
Todos e ninguém em si
Paz quão efémera
Desde Adão e Eva já era
A Paz que desconhecemos
Vislumbrei, um dia, uma alva nuvem
Onde timidamente a Paz espreitou
Vieram a ganância e o mal e o vento a levou
No palor duma subtil esperança…
Almas destroçadas rolam a Paz que não vem
E os homens esperam o que ao mundo convém
A Natureza que tudo pode …expectante, defraudada
Com a determinação homicida do homem, a guerra

E o homem inimigo de si e para si inimigo
Contemplando num gozo incessante o seu umbigo
E as intempéries da sua consciência destroem a Terra,

A Paz despida do que é seu, corrompida por poderes de papelão
Vacila nas suas convicções e nada impede o Capelão…

Paz,

Manifesto imutável, Verdade e Justiça que é do coração
Como uma montanha calada nos momentos de ilusão
O coração dos homens…às vezes frios e escuros bebem
Ingloriamente o que foi Glória nos tempos do Bem
E arrastam-se como as serpentes no sequeiro do Mal
Florestas incendiadas, colinas quebradas …monturo
E horas afrontosas desabam na Vida das vidas humanas


E a nuvem alva, ela própria se esconde no esconderijo da Paz
Ao lado duma revolução cósmica porque o homem é incapaz
De admitir que não gosta da Paz…


Esperamos pela Paz eterna, aquela que desconhecemos
A imagem mas sentimos e respiramos o Espírito, caminhemos
De mãos dadas em procissão com todos os seres vivos…
O homem, antecipador e processador da morte e dor,
Procurará um caminho maior e mais amplo em fraternidade
Amor e bênçãos…

Ofélia Cabaço
2015-04-20





terça-feira, 14 de abril de 2015

Onde Te Escondes?


Nunca te senti,
O teu corpo que eu anseio, não toquei,
E, amei-te, amei-te dolorosamente…
Como uma bola de neve leviana
A saltitar de Diana em Diana
Eras tu que fugias ardilosamente
Sinto mágoa sem que tenhas culpa
Das coisas que sei serem certezas
Como posso ter saudades tuas
Sendo eu sonhadora errante
Onde te escondes?

Cansaço de tanto procurar-te, eu sinto
Viajarei num alado que não volta
Percorrerei colinas com boninas
Com minhas mãos revolverei a terra
E para ti plantarei líros e açucenas 
Onde te escondes?

Oiço tambores ao longe, vazio
Da tua voz e clamores devoradores
Ah, esta minha alma atormentada
Sem ti e sem outro igual que és tu
Morre a cada hora, espírito derradeiro
Que já nem a tua imagem ilumina…


Ofélia Cabaço
2015-04-14







segunda-feira, 13 de abril de 2015

Vai e Vem...

Entre ramagens da magnólia

Espreita o Sol, à despedida

Todo santo dia aqueceu à medida

Generoso iluminou à revelia

 Devagar, devagarinho ele vai…

Com promessa de voltar, é honrado…

Vou dizer um segredo escutai:

 Quem dera que o Sol fosse namorado

Que se despedisse e voltasse

Que voltasse e se despedisse

Com a certeza que me amava

Eu esperaria enquanto dava…

 Oh! Sol majestoso e encantador

Traz-me novas dos teus deuses

Vem doirar a Terra com ardor

Abandonar-me não ouses…

 Tu que foste mistério noutras eras

Pintor de alvas amendoeiras

Doirador de searas imensas

Morador no vale celeste

Diz-me como são as deusas

E... não me deixes tensa!

 

Ofélia Cabaço

 2013-10-04

 

 

 

 


 

Entre os teus Lábios

Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.  

                     Eugénio de Andrade

domingo, 12 de abril de 2015

Reflexão

Os dias no tempo,
São de mim a reflexão
São o recolho que se estende em meu redor
A quietude e o murmurar da minha dor
Que se esconde nos braços frágeis da paixão
A música das fontes e os perfumes de jasmim e rosas
São o elixir que me impede dormir em fraterna compaixão,
A canção da natureza que me deixa sonolenta, harmoniosa
Numa leve e doce teia invisível no ar crepuscular, atenta
Aos ruídos indesejáveis das almas que da minha alma arrogam…
E lamentam-se como os ventos do Outono que nunca se encontram
E despem e destroem e magoam…
Foi-me dada a honra de escolher o meu próprio destino…
Mas se fosse uma árvore seria certamente frondosa, daria frutos e atino
Não teria espírito e a culpa seria minha porque escolhi e colhi
Não encontrando o que procuro há mil anos arrogo-me na esperança
Sem qualquer desesperança porque os dias são de mim reflexão e taça
E vida e amor e dádiva…

Ofélia Cabaço
2015-04-12



sábado, 11 de abril de 2015

Indignação

Quando a minh´alma para o meu corpo se curvar
Numa consoladora aceitação e resignação
Então eu sei que morri…
Porque não consigo minha vontade elevar;

Contemplar o Tempo onde a minha história gravada
Com revolta e indignação,
É vocação minha e testemunho do meu sentir…
A violência do mal querer para o mal dizer, observada,
É refletir sobre o meu lugar vago na roda da Vida
Da vida que não é a minha mas duma multidão de vidas
Que giram num acervo de acenos que os ventos fazem rodar
De Norte a Oeste e de Leste a Este…
Não é esta a minha vida nem o meu canto é este,


Se já não sou capaz de saborear o silêncio que tanto prezo
E apenas sinto solidão,
Então eu sei que morri…

Antevejo um circo suspenso com palhaços imensos
Esboçando cada um, risos e desilusões num espaço
Que também é meu…
Sinto-me definhar na incapacidade de apelar à razão
Mas eis que, sem que se desse a conhecer e sem exaltação
A razão ocupou o lugar daquele lânguido desinteresse
Enfurecida devolveu-me a indignação esfumando a resignação
Do que sentido não faz ser…
Porque é assim que humanamente reafirmo a minha história!

Ofélia Cabaço
2015.04. 09